Especialistas defendem regulamentação em audiência pública sobre restrição da publicidade de apostas

Especialistas defendem regulamentação em audiência pública sobre restrição da publicidade de apostas

Foi realizada nesta quarta-feira, 23, pela Comissão de Esporte (CEsp) do Senado uma audiência pública, que teve como objetivo a discussão dos Projetos de Lei nº 2985/2023 e nº 3405/2023. A audiência foi feita a pedido de Carlos Portinho (PL-RJ) e Jorge Kajuru (PSB-GO).

A sessão foi iniciada pela senadora Augusta Brito (PT-CE), e contou com a presença de especialistas, advogados, representantes da indústria de apostas e também da sociedade civil.

Heloisa Diniz, diretora de Assuntos Regulatório e Public Affairs da Associação de Bets e Fantasy Sport (ABFS), abriu a audiência, apontando que a proteção do usuário é um interesse comum: “Todos nós queremos a proteção do usuário. Ninguém constrói um mercado sustentável lucrando com o vício”.

Diniz também citou as consequências que a maior restrição podem trazer à população: “Se eu não tenho publicidade, como eu posso conversar com o usuário e mostrar para ele como é possível diferenciar uma casa legal de uma ilegal?”.

Ela também pontuou uma grande diferença entre indústrias altamente reguladas do ponto de vista publicitário, que frequentemente são citadas como exemplo a ser seguido: “As apostas on-line são um mercado 100% digital, diferentemente do tabaco e da cerveja. Nós não temos um meio físico para anunciar nosso produto. Se você tira da plataforma digital o único meio dela alcançar o usuário, você está indiretamente inviabilizando este setor”.

Mercado publicitário se posiciona contra as restrições

Eduardo Godoy, vice-presidente do Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário, foi assertivo em seu posicionamento: “Proibir a publicidade é o pior caminho. A proibição não resolve o problema, apenas o empurra para a ilegalidade. Quando um setor opera na sombra, quem perde é o cidadão, o Estado e a sociedade”.

Godoy também pontuou que o meio audiovisual, e o mundo, como um todo, muda de maneira rápida e constante. Com isso, a lei deve focar em valores e princípios, e não em formatos: “Hoje falamos de influenciadores, amanhã teremos avatares digitais com inteligência artificial que se conectam com público por algoritmos de preferência. Se colocarmos o formato na lei, ela rapidamente se torna obsoleta. A autorregulação, por sua vez, é viva, adaptável, e rápida”.

Flávio Lara Resende, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) também criticou a possível proibição, afirmando que a restrição horária seria uma “forma velada de banimento da publicidade no rádio e na televisão”.

O senador Carlos Portinho (PJ-RJ), ao abrir a audiência para discussão, criticou a demora do governo para legislar sobre o tema, e ressaltou os impactos da publicidade predatória dentro do futebol brasileiro: “Fui assistir a final do Campeonato Carioca, patrocinado pela Superbet, que deve ter pago uma fortuna pelo patrocínio – e que bom, porque o futebol precisa de patrocínio. Só que, enquanto eu assistia o campeonato patrocinado pela Superbet, só em placas do campo eu contei outras sete casas de apostas. No backdrop devia ter umas 12 casas de apostas. Isso é predatório. Isso faz mal à saúde”.

Portinho também criticou a ausência de representantes das redes sociais na audiência pública, e afirmou que isso pode levar a medidas mais duras contra o segmento: “O setor [audiovisual] veio construir com a gente. Agora, cadê as redes sociais? Cadê o Meta, o Tiktok, o X? Eu posso disciplinar a publicidade de Rádio e Televisão e não fazer nada com as redes sociais? Na falta de opção, poderemos restringir”.

Setor de saúde defende proibição de publicidade do segmento de apostas

Hermano Tavares, psiquiatra e professor da Universidade de São Paulo (USP), ressaltou que o aumento das apostas on-line trata-se de um fenômeno global, não estando restrito apenas ao Brasil. No entanto, Tavares pontuou que o Brasil é líder no ranking de acessos, e cobrou medidas fortes: “Eu não serei moderado, porque acho que o cenário não cabe moderação. A situação é calamitosa, e nunca vi ninguém enfrentar uma calamidade com moderação. Enfrenta-se crises com medidas fortes como, por exemplo, restrição à publicidade”.

“Aposta é um formador de hábito, se você praticar apostas com frequência e intensidade, vai desenvolver um hábito. Esse hábito se ficar por demais arraigado vai se tornar uma dependência, da mesma forma que ocorre com álcool e tabaco. Apostar sensibiliza uma região cerebral específica chamada sistema de recompensa cerebral”, continuou Tavares

No que diz respeito à questão publicitária, Tavares afirmou que álcool, tabaco e apostas não são mercadorias ordinárias “porque elas se promovem a si mesmo”, não precisando assim de publicidade adicional.

O psiquiatra relembrou que o futebol brasileiro também foi financiado pelas indústrias de tabaco e álcool no passado, e afirmou que a proibição de anúncios de apostas em competições e clubes é essencial para impedir que jovens e adolescentes sejam atingidos.

Eduardo Girão (Novo-CE), autor do PL nº 3405/2023, voltou a cobrar medidas fortes contra o setor: “O mal tem que ser cortado pela raiz. Essa é minha ideia – proibir o jogo no Brasil. Se não é possível fazer nesse momento – politicamente, porque tecnicamente é possível -, a gente pode zerar a propaganda. É o que deveria ser feito”.

“O vício hoje, do jogo on-line, é algo nunca jamais visto. Nem na era da liberação dos cassinos. O Brasil está vivendo uma desgraça que não sei se terá fim”, acrescentou o senador Magno Malta (PL-ES).

Sobre o acesso a jovens e adolescentes à plataformas de apostas, Luiz Felipe Guimarães Santoro, assessor jurídico da CBF, pontuou que, caso uma criança seja impactada por um anúncio presente em uma camisa de clube e tente acessar o site para jogar, ela será impedida por conta de mecanismos de proteção da plataforma. A proibição, no entanto, estende-se apenas às plataformas legais, tornando o combate ao mercado paralelo ainda mais importante.

Fernando Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) também esteve entre os palestrantes presentes na audiência, e aproveitou seu tempo de fala para ressaltar a importância do combate ao mercado ilegal: “Nós entendemos que é fundamental trazer esses apostadores para um ambiente onde ele está protegido pela regulamentação. A estimativa que temos hoje é de que a maioria dos apostadores está hoje em casas não reguladas”.

Questionado por Portinho sobre o tamanho do mercado ilegal no Brasil, Vieira apontou que, de acordo com estudo conduzido pelo IBJR em 2024, operadores ilegais faturaram cerca de R$ 1 bilhão por mês no último ano.

“A discussão sobre publicidade vai muito além da mera exposição de marca. Ela deve ser encarada como um instrumento de distinção entre operadores legais e ilegais”, acrescentou Fernando Gallo, diretor de políticas públicas da Betano.

Álvaro Guilherme de Oliveira Chaves, Mestre em Direito pela UNB, relembrou aos presentes sobre o impacto do vácuo regulatório no cenário atual: “Boa parte dos problemas que são noticiados são decorrentes de um mercado que não tinha qualquer tipo de regulamentação – e aqui não falo somente de publicidade, mas também dos certificadores. Passamos de 2018 até 2024 quase que em um ‘Deus nos acuda’”.

“Qualquer análise sobre acerto ou desacerto das portarias após apenas 100 dias, eu entendo que seja um pouco superficial. Deveríamos aguardar um pouco mais para fazer uma análise mais profunda, com uma base de dados maior”, concluiu Chaves.

Especialistas discutem impacto da restrição no futebol

Cada vez mais inundado de empresas do setor, o futebol também foi alvo da discussão. Chaves e André Carvalho Sica, advogado especialista em Direito Desportivo, falaram em nome dos clubes, e explicaram a importância do segmento para o ecossistema esportivo. De acordo com Sica, os valores de transmissão da Série B só subiram por conta do aumento dos valores pagos pelas empresas de apostas pelas placas de publicidade do estádio: “Hoje, o que está valendo na Série B e nas séries inferiores, é justamente a placa”.

Questionado por Portinho sobre a grande quantidade de empresas do mesmo setor nas placas de publicidade dos estádios, Sica explicou: “É oferecido a todas as casas de apostas a exclusividade do patrocínio, inclusive em placas, só que isso custa mais. As próprias casas de apostas optam comercialmente por dividir o espaço. Isso é uma opção comercial”.

“A lei nº 14.790 criou requisitos de licenciamento, mecanismos de controle de apostas, educação, tratou de publicidade e efetivamente trouxe um novo mercado, um novo setor. Nós talvez estejamos atacando esse setor de forma muito prematura”, finalizou Sica.