Para entender os possíveis impactos que o Projeto de Lei (PL) nº 3.563/2024, que visa proibir quaisquer publicidade e patrocínio de casas de apostas teria no futebol brasileiro, o SBC Notícias Brasil conversou com Fernando Paz, diretor comercial da Absolut Sport.
SBC Notícias Brasil: Recentemente, o senador Randolfe Rodrigues protocolou um projeto de lei solicitando a proibição de propagandas de plataformas de apostas esportivas no Brasil. Um projeto como esse, perto da data de vigência da regulamentação, pode trazer insegurança jurídica para casas de apostas que desejam atuar no país?
Fernando Paz: Ainda está tudo muito nebuloso. Essas portarias que foram feitas após a realização do pedido de licença por parte das casas de apostas geram um desconforto muito grande para as casas. No que tange investimento e propaganda, essa medida causaria um furor muito grande. Hoje, os clubes estão recebendo investimentos enormes de casas de apostas, e isso afetaria a economia do futebol nacional.
SBC Notícias Brasil: Nesse mesmo projeto, também é vetado o patrocínio de eventos e de clubes esportivos. Atualmente, 15 dos 20 clubes da Série A têm patrocínio máster de casas de apostas. Qual seria o impacto financeiro dessa proibição?
Fernando Paz: 19 dos 20 times da Série A têm algum tipo de patrocínio de casas de apostas. Apenas o Cuiabá não tem patrocínio. O investimento injetado nos clubes é de, aproximadamente, R$ 450 milhões. Então, seria uma catástrofe para os clubes que estão vendo nesse investimento uma maneira de reforçar seu clube e sua estrutura. Seria um cenário bem caótico.
SBC Notícias Brasil: Poderíamos ver uma debandada de talento por conta dos efeitos financeiros da proibição?
Fernando Paz: Com certeza. Hoje, os clubes esperam os investimentos nesse patamar e, se você for dar um passo para trás, vai ser muito difícil voltar a ter esses valores investidos por outras marcas. O mercado não chega aos valores que estão sendo praticados pelas casas de apostas. Então, seria bem-complicado para os clubes, que não estão preparados para isso.
Tem clube que teve um salto de patrocínio máster de R$ 5 milhões para R$ 25 milhões. Ficaria muito complicado para todo o ecossistema do futebol. Muitos jogadores que estão recebendo salário de nível europeu não conseguiriam ter os seus contratos honrados pelos clubes.
SBC Notícias Brasil: Estamos passando por um processo importante de negociação de venda de direitos televisivos do próximo ciclo. Essa proibição pode impactar o valor oferecido aos clubes?
Fernando Paz: A cota de mídia, historicamente, sempre foi muito bem-vendida, principalmente falando de eventos que passam na Globo. Hoje, está mais fácil conseguir o investimento por conta das casas de apostas, então, afetaria com certeza. Atualmente, a maior parte do investimento do esporte brasileiro vem das casas de apostas.
SBC Notícias Brasil: De acordo com o PL, seriam proibidas propagandas em todas as propriedades, incluindo naming rights de estádios. Dessa forma, o impacto econômico não estaria restrito apenas aos patrocínios e aos direitos televisivos. Qual o tamanho do prejuízo que isso traria?
Fernando Paz: O impacto seria geral, é um ‘novo’ dinheiro na rua, que beneficia não apenas os clubes, mas também as competições e os embaixadores. Hoje, se você for ver, são poucos os ex-jogadores de futebol que não têm contrato com alguma casa de apostas. Então, você está ajudando com a renda de uma pessoa que não pratica mais o esporte.
O giro da economia do esporte está muito pautado no investimento das casas de apostas. Você tirar esse investimento, sem um aviso prévio, seria muito prejudicial. Se eles falassem que, daqui a cinco anos, não poderá ter esse investimento, tudo bem, todos poderiam se programar. O problema é fazer isso hoje, em um cenário em que o investimento vem crescendo ano após ano. Se vier uma proibição amanhã, isso afetaria todo mundo.
SBC Notícias Brasil: Se não houver um período de transição e de adaptação para a vigência desta proibição, os clubes brasileiros teriam dificuldade de pagar as contas em curto prazo?
Fernando Paz: Com certeza. Muitos clubes estão se pautando nos valores atuais. Hoje, você vê o caso na Inglaterra, em que a proibição de patrocínios de casas de apostas entra em vigor na temporada 2026/2027 e, por conta disso, os clubes já estão se preparando, fazendo acordos até o período para conseguir receber esse investimento.
Hoje, tendo em conta os altos valores praticados no Brasil, se cortarem os patrocínios em três meses (data do início do mercado operacional regulado no país), a economia do esporte será muito afetada.
SBC Notícias Brasil: Além de patrocínios em camisetas, em estádios e em competições, as casas de apostas também dominam as placas de publicidade dos estádios. Ao somar todas as propriedades que eles detêm atualmente, qual seria o tamanho do prejuízo para clubes e entidades caso a proibição seja aprovada?
Fernando Paz: Estaríamos falando de centenas de milhões de reais. Se você parar para somar as placas, não só no que tange à BRAX [empresa que atua como intermediária na venda de direitos de mídia], mas também todos os clubes que vendem individualmente – como Corinthians e Flamengo -, seriam algumas centenas de milhões de reais.
SBC Notícias Brasil: Caso uma empresa estrangeira, como a CONMEBOL, vendesse os naming rights para uma casa de apostas, isso poderia atrapalhar a exibição do torneio no país se o PL for aprovado?
Fernando Paz: No caso da CONMEBOL, a entidade limpou essa propriedade para conseguir vender cotas para os patrocinadores. No caso deles, não afetaria. Mas podemos falar do caso do Brasileirão, patrocinado hoje pela Betano. Essas e outras competições teriam de correr da noite para o dia para arranjar um novo cotista de naming rights, então, teria um impacto grande.
SBC Notícias Brasil: Você acredita que as pessoas envolvidas nesse PL estão cientes do impacto no ecossistema do futebol ou é uma resposta à pressão pública em cima da indústria?
Fernando Paz: Eu acho que a pressão pública está sendo muito grande. As pessoas têm que entender que o mercado andou nos últimos anos sem regulamentação. A partir de 2025, com a vigência da regulamentação, tudo pode melhorar com políticas de educação no jogo e no jogo responsável.
Hoje, a pressão popular está sendo muito forte, e isso afeta o lado positivo da indústria. A regulamentação vem para ajudar muito o mercado. Muita coisa foi feita sem regras, o que afetou muito a credibilidade do mercado. As empresas têm de se unir para proteger o mercado. Tem muita gente séria e interessante na indústria.
A partir de 2025, as coisas vão mudar bastante. Os aventureiros vão ficar de fora, casas que dizem coisas como ‘aposte aqui e fique rico’ vão acabar. Estamos falando de três meses de espera para que as coisas melhorem muito para quem trabalha no mercado.