O Ministério da Fazenda deu o último passo em direção a um mercado regulamentado em grande escala com a publicação da portaria que abre o processo de inscrição para apostas esportivas e jogos on-line para operadores.
A VIXIO, provedora de tecnologia regulatória, estimou que o país sul-americano, com uma população de mais de 200 milhões de pessoas, poderia potencialmente ultrapassar alguns dos maiores mercados existentes.
James Kilsby, vice-presidente para as Américas e analista-chefe da VIXIO, conversou com o SBC News, site-irmão do SBC Notícias Brasil, para discutir o alcance dessa previsão sobre o mercado emergente mais esperado da América Latina.
SBC News: A VIXIO calculou uma projeção de receita entre US$ 3,7 bilhões e US$ 5 bilhões para o novo mercado de jogos do Brasil em um período de cinco anos. Como foi estimado esse valor de rendimento?
James Kilsby: As nossas previsões brasileiras são calculadas com base na receita bruta de jogos on-line (GGR) projetada como uma porcentagem do produto interno bruto (PIB) e em um padrão de crescimento típico assumido em um mercado regulamentado ao longo de um a cinco anos. Isto é calculado usando pontos de referências internacionais.
Na última atualização de nossos prognósticos, melhoramos nossas estimativas brasileiras e assumimos um aumento mais consistente ao longo dos cinco anos, após a promulgação da nova lei de apostas e de jogos on-line no Brasil, em dezembro de 2023, que introduziu um regime fiscal e regulatório um pouco mais benigno. estrutura do que assumimos inicialmente, e uma reavaliação da escala existente do mercado cinza brasileiro.
As estimativas sobre o tamanho do mercado regulado no Brasil variam amplamente, mas certamente pode-se supor que já ultrapassa milhões de dólares por ano em relação ao GGR. Agora, muito dependerá de quanto disso será canalizado para o mercado regulamentado, em relação ao número de operadores que obtiverem uma licença e do sucesso do governo na aplicação da lei direcionada às empresas offshore.
SBC News: Anteriormente, o Ministério da Fazenda estipulou que mais de 130 empresas declararam interesse em solicitar licença. No entanto, à medida que o lançamento se aproxima, quantas empresas a VIXIO observa solicitando licenças de apostas?
James Kilsby: Um mercado atendido por mais de 130 operadores licenciados colocaria o Brasil entre os mercados regulamentados mais competitivos, se não o mais competitivo, para jogos de azar on-line em escala mundial. Deve-se notar que outras empresas, além das 134 que registaram o seu interesse junto do Ministério das Finanças no ano passado, também podem solicitar a acreditação, uma vez que esse registro não é um pré-requisito para se candidatar ou receber uma revisão rápida da Secretaria de Prêmios sob a recente portaria de licenciamento de apostas.
No entanto, em última instância, é pouco provável que algumas dessas empresas se candidatem. No momento do processo inicial de registro de interesses, a legislação brasileira ainda não havia sido aprovada pelo Senado, e novos requisitos de licenciamento foram adicionados posteriormente à versão final da lei. Algumas empresas podem reconsiderar a sua decisão com base no capital social e outros critérios de licenciamento estabelecidos pela portaria da SPA, ou nos requisitos técnicos detalhados para sistemas de apostas que foram publicados.
O que sabemos sobre o regime regulatório brasileiro é que aponta para um mercado com grandes barreiras iniciais à entrada, assim como requisitos de conformidade complexos, que podem ser muito caros para operadores menores.
Ao mesmo tempo, não seria surpresa ver novas parcerias ou aquisições envolvendo alguns dos 134 operadores que registraram seu interesse de forma independente. Essas associações podem depender, em parte, da pergunta ainda sem resposta sobre o que constitui “um brasileiro” para cumprir a exigência de que todos os operadores sejam pelo menos 20% detidas por um brasileiro.
Essa é uma questão política fundamental, pois determinará se os operadores internacionais poderão candidatar-se por conta própria ou se precisarão fazer parceria com um investidor ou uma empresa brasileira para se qualificarem. Também vale destacar que os operadores podem implementar até três marcas/comarcas sob uma única licença.
SBC News: Os procedimentos para lançar o mercado de apostas ainda serão definidos. Na sua opinião, como os operadores devem esperar que o mercado se desenvolva?
James Kilsby: Segundo a recente portaria de licenciamento da SPA, podemos esperar um lançamento universal ou uma data de entrada em funcionamento para os operadores de apostas de probabilidades fixas que conseguem solicitar uma licença durante o período inicial de 90 dias após a publicação da portaria. A portaria especifica que as autorizações também serão liberadas na mesma data, indicando que os operadores poderão lançar ao mesmo tempo, provavelmente em dezembro, independentemente de quando solicitaram durante o período de 90 dias.
Há também um período de transição para que os operadores permaneçam ativos no mercado brasileiro até o final de 2024 à medida que as licenças são processadas, para que os operadores atuais não vejam interrupções em seus negócios atuais durante o processo de licenciamento e enquanto preparam-se para certificar suas ofertas, como atender aos requisitos técnicos do Brasil pouco depois da aprovação de suas licenças.
SBC News: Na perspectiva da VIXIO, qual será o elemento mais difícil da primeira fase de lançamento do mercado de apostas no Brasil?
James Kilsby: Um desafio para os operadores é ter que avançar rapidamente com um pedido de licença devido às claras vantagens de apresentar a solicitação dentro do prazo de 90 dias, em vez de esperar e ter que suspender as operações atuais a partir de janeiro de 2025, enquanto, ao mesmo tempo, não tendo uma ideia completa de que o regime regulatório brasileiro implicará.
As futuras portarias regulatórias e os outros documentos deverão proporcionar maior clareza sobre questões fundamentais, tais como a exigência de que um “brasileiro” possua pelo menos 20% do capital social do operador, o alcance de jogos de casino on-line legítimos e quais as formas de bônus que serão permitidas por meio de programas de fidelidade. Todas essas perguntas, entre outras, serão fundamentais para informar as estratégias de operadores para o mercado brasileiro.
SBC News: Você prevê que a entrada antecipada no mercado será mais fácil para os operadores do que a obtenção de uma licença quando o mercado estiver estabilizado?
James Kilsby: Pode não ser mais fácil para os operadores obterem uma licença que solicitem antecipadamente do que para aqueles que esperam que o mercado se estabilize, mas os operadores são, sem dúvidas, fortemente incentivados a avançar nos próximos meses, e aqueles que o fizerem ganharão um vantagem crítica de ser o pioneiro no mercado regulamentado.
De acordo com a portaria de licenças da SPA, os operadores que apresentarem seu pedido no prazo de 90 dias após a publicação da portaria, antes do dia 20 de agosto, têm a garantia de receber uma decisão sobre o pedido no prazo de 180 dias – ou seja, 19 de novembro – e depois poderão aprovar sua licença antes do final do ano. Isso significa que esses operadores deverão poder lançar antes que as novas restrições legais aplicáveis aos jogos de azar não licenciados e ao processamento de pagamentos entrem formalmente em vigor no dia 1º de janeiro de 2025.
Os operadores que não se inscreverem dentro do prazo de 90 dias deverão receber uma resposta ao seu pedido dentro de 150 dias, ou não até, pelo menos, fevereiro de 2025. A análise dos pedidos de licença pelo Ministério do Esporte pode prorrogar ainda mais esses prazos, o que significa que os operadores que não se candidatarem até 20 de agosto, provavelmente, terão que restringir quaisquer operações existentes no Brasil por um período, a partir do início de 2025, em um momento em que os primeiros operadores licenciados lançarão suas plataformas regulamentadas e pressionarão para ganhar participação de mercado antecipadamente.
SBC News: Quão fina será a linha sobre a qual os operadores caminharão quando se trata de comercializar seus serviços no espaço recém-regulamentado?
James Kilsby: Embora seja provável que algumas regras adicionais sejam esclarecidas por meio de portarias futuras, o regime regulatório do Brasil não é excessivamente restritivo quando se trata de publicidade e os operadores licenciados, geralmente, poderão anunciar amplamente seus produtos, sujeitos às melhores práticas internacionais estabelecidas, que agora foram incorporadas ao código publicitário aplicado pelo órgão autorregulador de publicidade CONAR. Por exemplo, isso significa que os operadores não poderão fazer publicidade direcionadas a menores de idade, ofender as crenças ou as tradições do país, tampouco apresentar o jogo como socialmente atrativo ou como uma solução para problemas financeiros.
No entanto, existem algumas áreas de incerteza. Uma delas é a proibição de oferecer bônus ou outros incentivos como forma de aquisição de novos clientes. Essa é uma diferença em relação ao atual mercado não regulamentado e significa que os operadores terão de prosseguir estratégias de marketing diferentes para ganhar novos jogadores assim que o novo regime regulamentar entrar em pleno vigor.
Outro risco que temos visto em muitos outros mercados, como na Europa, na Austrália, em partes da América do Norte e, até certo ponto, na Colômbia, é a tendência das autoridades de impor restrições mais rigorosas à publicidade algum tempo depois do lançamento do mercado regulamentado, respaldada por reações política, pública e mediática contra o volume de anúncios de apostas esportivas em particular.
Por ser uma tendência global tão clara, não pode ser descartada como um risco regulatório futuro no Brasil, especialmente porque limites mais rígidos à publicidade foram um ponto central de debate enquanto a nova legislação estava sendo considerada pelo Senado no ano passado.