Felippe Marchetti, Sportradar: “às vezes, o jogador acha que é só tomar um cartão e que não vai ter uma consequência mais grave”

Felippe Marchetti, Sportradar: “o jogador acha que é só tomar um cartão e que não vai ter uma consequência mais grave”

Integridade esportiva e apostas andam de mão dadas, e a fiscalização tem um papel primordial para manter a casa em ordem. Nos últimos anos, diversos casos de manipulação vieram à tona no futebol brasileiro. Isso, no entanto, não indica um aumento no número de casos, mas sim um aumento de fiscalização do setor.

Inclusive, de acordo com o relatório anual de integridade feito pela Sportradar, o Brasil está no caminho certo. De 2023 para 2024, foi possível observar uma redução de 48% no número de partidas suspeitas de manipulação no país. Com essa grande queda, o Brasil, enfim, deixou a incômoda liderança mundial de jogos suspeitos de manipulação.

Para entender um pouco mais sobre o processo de monitoramento de partidas de futebol, o SBC Notícias Brasil conversou com Fellipe Marchetti, Gerente de Parcerias para Integridade da Sportradar na América Latina. Marchetti falou, entre outros assuntos, sobre a importância do monitoramento e também o papel educacional dos clubes na formação dos atletas.

SBC Notícias Brasil: Recentemente, o Brasil saiu do topo da lista de jogos de futebol suspeitos de manipulação. Você acredita que a regulamentação teve um impacto nisso?

Felippe Marchetti, Sportradar

Felippe Marchetti: A regulamentação tem um papel importante nesse processo de redução dos números do Brasil, mas existem outros fatores que acabam sendo mais importantes. Entre eles, o aumento do monitoramento dos jogos. Nós saímos de um trabalho apenas com uma federação estadual para trabalhar com 17, e isso ocorreu apenas em um ano.

Nós temos uma cobertura de jogos muito maior no Brasil hoje, com relatórios muito mais completos, validados tanto academicamente pela Universidade de Liverpool, quanto pela Corte Arbitral do Esporte, como uma evidência de manipulação de resultados. Nós temos também um trabalho educacional que vem sendo feito, que é uma plataforma educacional que está sendo implementada em três federações estaduais do Brasil. Também realizamos palestras nos clubes, levando o conhecimento sobre riscos e consequências da manipulação de resultados.

Nós estamos realizando um trabalho cooperativo entre operadores, federações, através do projeto Parceiro de Integridade. A obrigatoriedade dos operadores reportarem para o governo, quando identificarem algo suspeito [na plataforma], vai auxiliar para ter uma riqueza maior de detalhes sobre quem são esses apostadores e os volumes que estão sendo apostados.  Isso dá uma segurança maior para os operadores poderem reportar também.  Então, acredito que todo esse conjunto de fatores esteja colaborando para essa redução dos números que estamos presenciando no Brasil.

SBC Notícias Brasil: Que medidas o governo tem feito para auxiliar nessa diminuição de jogos suspeitos?

Felippe Marchetti: Nós temos um acordo de cooperação com a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, onde a gente compartilha informação sobre partidas suspeitas com eles.

A gente também tem um acordo de cooperação com a Polícia Federal para ajudar na investigação de casos, como foi, por exemplo, o caso da Patrocinense-MG no ano passado. 

Eu acredito que ainda existe bastante coisa que pode ser feita, como por exemplo, a criação de um órgão centralizado para investigar casos suspeitos.

Porque o nosso relatório é produzido, e então é enviado para a CBF ou para uma federação estadual, que, a partir daí, encaminha para diferentes autoridades públicas, que pode ser a Polícia Civil, Ministério Público, Ministério da Fazenda…

O processo acaba sendo lento e às vezes acaba esbarrando na questão de discussão de competência. Nós vemos muitos manipuladores que estão hoje manipulando na Paraíba, só que, no mês que vem, eles já estão no Rio Grande do Norte, e, daqui três meses, no Rio Grande do Sul.

Com isso, acaba caindo na competência de uma justiça estadual, que não tem informação que este crime também aconteceu em outros lugares do Brasil. Então, precisamos pensar na criação de um órgão centralizado para combater esse tipo de crime aqui no nosso país.

A primeira etapa do processo, que era ter um monitoramento robusto e iniciar medidas de educação, a gente já está tendo sucesso. Agora temos que ir para um próximo nível, que é o nível mais governamental, com a criação de estruturas para conseguir combater o problema. Dessa maneira, conseguiremos realmente identificar os manipuladores, ‘pegar’ eles e de fato punir, conseguindo assim um resultado ainda mais afetivo.

SBC Notícias Brasil: Qual o papel educacional dos clubes e das federações? A impressão de fora é de que existe um desconhecimento do próprio meio sobre o que é considerado de fato manipulação. Você sente que os jogadores desconhecem o tema?

Felippe Marchetti: Com certeza, mas não tanto sobre a manipulação, até porque a manipulação ficou muito em pauta nos últimos dois ou três anos aqui no Brasil, então o jogador já tem um pouco de noção.

O que ele não sabe é o tamanho do mercado de apostas, quanto ele movimenta e que 60% ou 70% dele é ilegal, e que tem crime organizado por trás da manipulação. A grande maioria não sabe disso. Às vezes o jogador acha que é só tomar um cartão, falhar em um gol e que não vai ter uma consequência mais grave. Então acho que essa informação é importante. 

Ele também precisa ter conhecimento sobre o Inside Information. O que significa isso? Às vezes o jogador pode comentar com a tua esposa, com um amigo, com um vizinho, alguma informação de vestiário. E essa informação pode ser, por exemplo, falar que vai tomar um cartão para ficar fora do próximo jogo porque, daqui dois jogos, tem um jogo importante e está pendurado. Aí o jogador fala: ‘não quero perder esse próximo jogo, vou forçar o amarelo para ficar de fora da viagem e poder jogar o próximo jogo’, e isso é algo que a gente sabe que acontece no futebol. É normal e não é errado, porque é uma estratégia esportiva.

O problema é que, se essa informação se torna pública – ou até nem pública, mas saindo do vestiário – pode ter um volume pesado de apostas naquele movimento. Isso é como o Insider Trading que existe na bolsa de valores. No esporte se chama de Insider Information.

Caso o atleta comente, e essa informação vaze, essa informação pode se voltar contra ele. Então levar esse conhecimento para eles é fundamental, porque, se acontece uma manipulação, no final do dia é o rosto desse atleta que está no jornal e na televisão. Então a gente precisa proteger esses atletas. A informação e a conscientização são os melhores caminhos para isso.

SBC Notícias Brasil: Qual o papel do operador na notificação de jogos suspeitos de manipulação?

Felippe Marchetti: É um papel fundamental, porque o operador tem a informação sobre quem são os apostadores, sobre o quanto isso representou na casa dele de percentual do volume apostado.

Em um jogo de vôlei, por exemplo, você pode ver que tem jogos manipulados que têm 90% das apostas do mercado colocadas no vencedor do segundo set de uma partida. Isso é claramente um indício de uma manipulação.

O operador tem visibilidade sobre informações que são muito ricas e valiosas, e compartilhar essas informações traz ainda mais robustez aos relatórios de inteligência que são feitos e que são enviados para as federações e para as autoridades públicas.

SBC Notícias Brasil: Como funciona o processo de identificação, notificação e comprovação de um jogo suspeito de manipulação? Você consegue nos passar o passo a passo dessa operação?

Felippe Marchetti: Existem três formas de identificar jogos suspeitos. Uma delas é através do monitoramento de discrepância de linhas. Isso é visto através da linha esperada de cotação e a linha real. Quando tem um desvio, uma variância muito grande, significa que está entrando um volume muito pesado de apostas em determinado evento. Isso gera um primeiro sinal de alerta, e isso aparece tanto no mercado legal como no ilegal.

A gente tem um segundo nível, que é o nível de bilhete de conta. A Sportradar é provedora de cotas de odds para mais de 400 sites ao redor do mundo, então a gente consegue ter visibilidade a nível de bilhete de conta sobre volumes de apostas aceitas, apostas rejeitadas por mercado e por momentos de aposta.

E a terceira forma que temos é através da Integrity Exchange, que é uma plataforma de troca de informações entre operadores e a Sportradar. Então, quando o operador detecta algo suspeito, ele nos reporta.

Com base nessas três informações que recebemos, a gente faz uma análise mais qualitativa, para ver se tem algum fator esportivo, como clima, motivação das equipes ou ação de jogo que explique aquela movimentação irregular. 

Caso não tenha, nossos analistas vão lá e detectam a partida como suspeita, fazem um relatório sobre isso e encaminham esse relatório para os nossos parceiros, que são as entidades esportivas e o governo. 

SBC Notícias Brasil: Por fim, qual a importância do SBC Summit Rio 2025 para a Sportradar?

Um evento dessa magnitude é sempre muito importante. Estamos participando, falando com operadores que têm um papel fundamental na proteção da integridade do esporte e na proteção da indústria como um todo.  

Poder participar de eventos como esse só agrega tanto na conscientização e amadurecimento da indústria como um todo, quanto na criação de novas parcerias, que ajudam a gente a ampliar esse escopo não só dentro da integridade, mas de negócios da Sportradar de maneira geral – levando em consideração também outras vertentes.