Guilherme Sadi, Espaço Jurídico: “há um dilema no mercado de apostas on-line entre Estados e União”

Espaço Jurídico

A Lei 14.790, publicada em 30 de dezembro de 2023, que regulamenta as apostas esportivas e os jogos on-line no Brasil, esclarece que as loterias estão sujeitas à legislação especial, e não à lei federal.

No entanto, conflitos entre estados e União estão surgindo. Portanto, com exclusividade para o SBC Notícias Brasil, na coluna Espaço Jurídico, o advogado Guilherme Tadeu Sadi, sócio do Sadi/Morishita Advogados e da SM Gaming, analisa o passado, o presente e o futuro (provável) do setor no país.

Estamos acompanhando o trabalho do Ministério da Fazenda visando emitir as portarias necessárias para, finalmente, termos um mercado regulado. Uma das portarias mais aguardadas é sobre as condições para a obtenção da licença de exploração da atividade de apostas esportivas e jogos online no Brasil.

Temos acompanhado a notícia bem recente sobre o Estado do Rio de Janeiro ter “driblado” o Ministério da Fazenda ao credenciar algumas empresas operadoras de apostas online. Mas, faz sentido? 

O Supremo Tribunal Federal (“STF”) decidiu, em meados de 2020, que a União não tem exclusividade para explorar loterias. Por unanimidade dos votos, os ministros entenderam que os estados, apesar de não possuírem competência legislativa sobre a matéria, podem explorar modalidades lotéricas. 

A Corte julgou procedentes as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 492 e 493 para declarar que os artigos 1º e 32, caput e parágrafo 1º do Decreto-lei 204/1967, que tratam da exclusividade da União para explorar loterias, não foram recepcionados pela Constituição de 1988. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4986, que discutia se as normas do Estado de Mato Grosso que regulamentam a exploração de modalidades lotéricas invadiam a competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios, foi julgada improcedente, por estas se vincularem ao modelo federal de loterias.

Ao orientar o entendimento unânime do STF, o relator das ações, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que a exploração de loterias tem natureza de serviço público e que a legislação federal não pode impor a qualquer ente federativo “restrição à exploração de serviço público para além daquela já prevista no texto constitucional (artigo 175)”. Segundo ele, os dispositivos questionados nas ADPFs esvaziam a competência subsidiária dos estados para a prestação dos serviços públicos que não foram expressamente reservadas no texto constitucional à exploração pela União (artigo 25, parágrafo 1º).

Pois bem. Em 2018, foi editada medida provisória aprovada pelo governo Michel Temer (MDB) para legalizar as apostas esportivas no Brasil e, após isso, tivemos um gap de alguns anos até a publicação da Lei nº 14.790 de 29 de dezembro de 2023 (“Lei das Bets”), que regula o funcionamento de apostas esportivas e jogos online (incluída posteriormente) de quota fixa no Brasil.

Diante desse cenário em que o STF autorizou os estados a explorar o mercado de apostas online, começou-se a despertar interesse político e fiscal, uma vez que o setor envolve grande movimentação financeira. Assim, alguns estados começaram a publicar editais com intuito de credenciar operadores de apostas online a obterem, legalmente, a licença de exploração, sendo a Loteria do Estado do Rio de Janeiro (“Loterj”) um deles. O valor previsto da outorga da licença no Estado do Rio de Janeiro é de R$ 5 milhões, porquanto, inicialmente, o edital previa a exploração somente no Estado do Rio de Janeiro. 

No Edital da Loterj estabeleceu-se que a exploração comercial se daria em meio virtual, com acesso online em dispositivo pessoal ou utilizando aplicativos, web, VLT (vídeo Lottery Terminal), POS (Point of Sales) ou terminais/totens. 

Uma das justificativas do Estado do Rio de Janeiro ter promovido o edital para credenciamento das operadoras de apostas online é o fato de alavancar mais receita (advinda da arrecadação do valor da licença acrescido da arrecadação fiscal) em prol da sociedade, como fim para destinar parte da receita para entidades educativas, esportivas, de assistência hospitalar, educacional e cultural. 

Outro que entrou bastante forte no mercado das apostas online foi o Estado do Paraná, delimitando, contudo, atuação dos operadores e stakeholders somente dentro do território paranaense, cujo modelo é o que estabelece a Lei das Bets (art. 35-A) e concordado pelo Ministério da Fazenda.

No entanto, em virtude da demora no andamento da regulamentação federal e motivações políticas e fiscais, o Estado do Rio de Janeiro retificou o edital para que não houvesse restrição territorial para exploração da atividade, ou seja, para o Brasil inteiro, iniciando-se, assim, uma guerra fiscal e política entre os 3 (três) players: Estado do Rio de Janeiro, Estado do Paraná e União Federal.

Diante desse cenário, o Estado do Paraná ajuizou ação popular contra o Estado do Rio de Janeiro visando a preservação da territorialidade e do mercado lotérico, conforme previsão do artigo 35-A da Lei das Bets.

Lado outro, o Ministério da Fazenda notificou o Estado do Rio de Janeiro a cumprir a legislação no que tange a competência territorial nos moldes explanado acima, o que não tivemos novidades de composição até o momento, podendo referida discussão ser apreciada pelo STF.

Tendo em vista esse cenário, uma coisa é certa: haverá muito caminho pela frente quanto essa discussão, haja vista envolver interesses políticos e fiscais e elevado custo de tecnologia e desafio do Ministério da Fazenda para controle e fiscalização das atividades exploradas nos territórios estaduais, como, por exemplo, georreferenciamento, IPs, logs de acesso etc., envolvendo as operações das empresas de apostas online, apostadores e demais stakeholders envolvidos.