Espaço Jurídico, TozziniFreire: novos requisitos técnicos para jogos e apostas

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Com exclusividade para a coluna Espaço Jurídico, Luiza Sato e Adriana Ferreira Tavares, sócia e associada sênior, respectivamente, do TozziniFreire Advogados, analisam os requisitos estipulados pela Portaria nº 1.207 da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) no artigo ‘Que comecem os jogos! Como os novos requisitos técnicos para jogos e apostas podem sedimentar a regulamentação do mercado brasileiro?’

Dez dias se passaram desde que mais de cem empresas de apostas apresentaram seus pedidos de licença junto ao Ministério da Fazenda para iniciar a operação em 2025 e, dentre muitos tópicos que aqueceram as discussões um deles foram os requisitos técnicos aos quais as empresas estarão sujeitas quando do início de suas operações no Brasil. 

No final de julho, foi publicada pelo Ministério da Fazenda a Portaria SPA/MF nº 1.207 (“Portaria 1207”), que estabelece os requisitos técnicos para jogos online e estúdios de jogos ao vivo destinados a operadores de loteria de apostas de quota fixa.

A Portaria 1207 traz diversos pontos relevantes, dentre eles:

  • Definições. Definição de conceitos-chave, incluindo sistema de apostas, jogo online, estúdio de jogo ao vivo e entidade certificadora. 
  • Certificação. Os jogos online devem usar geradores randômicos para determinar resultados e devem ser certificados por entidades reconhecidas e manter tais certificados válidos durante todo o período de autorização. As certificações devem ser revalidadas sempre que houver alterações em componentes críticos.
  • Terminais de Apostas. Apostar em jogos online não é permitido em estabelecimentos físicos por meio de dispositivos.
  • Retenção de dados. Dados e documentos relacionados a jogos online devem ser mantidos disponíveis por cinco anos. 
  • Anexos. Há anexos com requisitos detalhados para interfaces de apostadores, funcionamento de jogos online, segurança dos estúdios de jogos ao vivo e mais, com um glossário explicando os termos usados na regulamentação.

A regulamentação trazida pela Portaria 1207 veio em boa hora, especialmente pelo fato de que após todo o movimento de início das autorizações no país, muito tem se falado a respeito de jogos online de caça níqueis (slot games) e dos chamados jogos online de colisão (crash games). 

Objeto de muita polêmica slot games como o “Jogo do Tigrinho” e crash games como o “Jogo do Aviãozinho” foram alvos de críticas a respeito de como essas modalidades de jogos online seriam inseridas no novíssimo arcabouço regulatório brasileiro.

Fato é que especialmente no que diz respeito aos tanto aos slot games, quanto aos crash games, com o advento da Portaria 1207 eles passaram a ser autorizados desde que observados os requisitos previstos no Anexo 1 da referida norma.

Agora com a regulamentação sendo gradativamente implementada e em vias de as primeiras operações iniciarem em 2025, é crucial que as operadoras se atentem às obrigações de certificação de suas plataformas e jogos, os quais deverão atender todas as conformidades definidas na Portaria 1207, bem como demais regras aplicáveis.

Além disso, vale dizer que a Portaria 1207 também traz regramentos complementares à Portaria MF/SPA nº 722 (“Portaria 722”), publicada em maio, sendo que sistemas de jogos e apostas deverão seguir os requisitos técnicos e de segurança ali presentes, que visam garantir a integridade das operações de jogos de azar no país. Com relação à Portaria 722, são importantes os seguintes pontos:

  • Definições e Estrutura da Portaria. A Portaria define conceitos fundamentais, como sistema de apostas, plataforma de apostas e entidade certificadora. Essa abordagem clara busca uniformizar o entendimento sobre os termos utilizados no setor, facilitando a aplicação das normas. Os sistemas de apostas, por exemplo, são definidos como aqueles que permitem o gerenciamento e a operação de apostas de quota fixa, essenciais para o funcionamento das loterias.
  • Requisitos Técnicos e Localização. Dentre os principais requisitos, a Portaria exige que os sistemas de apostas estejam localizados em território brasileiro, embora haja a possibilidade de hospedagem no exterior, desde que atendidas condições rigorosas de segurança e continuidade. Trata-se de requisito polêmico, que revive discussões mantidas em 2014 quando da discussão sobre o Marco Civil da Internet, em que diversos players invocaram a inviabilidade de negócios no caso de exigência de manutenção de servidores no Brasil.
  • Certificação e Supervisão. Para assegurar a conformidade com as normas estabelecidas, os sistemas de apostas devem ser certificados por entidades reconhecidas pelo Ministério da Fazenda. A certificação não é um processo único; é necessário realizar revalidações anuais e apresentar relatórios de avaliação técnica em prazos específicos. Essa prática reforça o compromisso com a transparência e a responsabilidade na operação das plataformas de apostas.
  • Fiscalização e Controle de Acesso. A Portaria 722 também enfatiza a importância da supervisão e fiscalização das operações. Os operadores são obrigados a fornecer dados detalhados sobre as apostas e sobre os apostadores, garantindo a acessibilidade das informações para as autoridades competentes. Além disso, a segurança dos sistemas é aprimorada por meio de exigências rigorosas de controle de acesso, que incluem autenticação multifatorial e registros de auditoria para cada operação.
  • Jogos Online e Geradores de Números Aleatórios (RNG). A Portaria estabelece requisitos específicos para o uso de geradores de números aleatórios (da sigla em inglês Random Number Generators – RNGs) por jogos online, que devem ser testados quanto à eficiência e resistência a fraudes. Essa medida é essencial para assegurar a imparcialidade das apostas e a confiança dos apostadores nas plataformas.
  • Manutenção de Dados e Geolocalização. Os operadores devem manter registros dos dados dos apostadores por um mínimo de cinco anos, implementando métodos de backup e segurança para proteger essas informações. Além disso, a regulamentação exige a implementação de medidas de geolocalização, que são fundamentais para prevenir fraudes e garantir que as apostas sejam realizadas de locais autorizados.
  • Incidentes de Segurança. Operadores são obrigados a manter procedimentos para definir, monitorar, documentar, investigar, relatar, responder e resolver incidentes de segurança e adulterações do sistema, incluindo violações detectadas e invasões suspeitas ou reais e a produzir de relatório de incidente para a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, e que documente a data, hora e motivo do mau funcionamento, juntamente com a data e a hora em que o sistema foi restaurado. É importante lembrar que, caso o incidente envolva dados pessoais, outras obrigações são previstas sob a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Seja por conta dos requisitos técnicos, certificações ou de segurança, é imprescindível que a regulamentação que chega possa trazer a segurança jurídica que o mercado merece. Isso porque independentemente da categoria de jogos a serem ofertadas pelos operadores, todas elas estão sob o guarda-chuva do serviço público de loterias, cujas normas perpassam por legislação federal tal como a Lei 13.756/2018. 

Relevante, portanto, que o legislador e as entidades de controle do setor de jogos tenham a cautela necessária para evitar que, ainda que de forma não intencional, conceitos e modalidades de jogos lotéricos se confundam e isso possa impactar todas as vertentes de delegação de tais serviços, seja por meio de autorizações concedidas às operadoras de apostas esportivas, seja em relação às concessões de loterias estaduais tradicionais.

Sendo assim, fica claro que as novas portarias do Ministério da Fazenda representam um avanço significativo na regulamentação do setor de apostas no Brasil, trazendo um conjunto robusto de requisitos técnicos e de segurança. Ao estabelecer normas claras e rigorosas, a legislação não apenas protege os apostadores, mas também fortalece a integridade do mercado de apostas como um todo. Esse movimento é um passo importante e crucial para a modernização do setor, promovendo um ambiente de jogo mais seguro e confiável.

À medida que o cenário de apostas continua a evoluir, a adesão a essas novas diretrizes será crucial para o sucesso das operações e para a confiança do público. Com isso, espera-se que o Brasil se posicione como um modelo de regulamentação responsável no setor de jogos e apostas.