Ontem, 18, Felippe Marchetti, gerente de Integridade da Sportradar, multinacional responsável por monitorar fraudes em casas de apostas, federações esportivas e empresas de mídia, comentou a manipulação de resultados no futebol brasileiro em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas.
Marchetti disse que os clubes e os jogadores brasileiros são alvos de propostas de empresários ligados à manipulação de resultados. Destacou, ainda, que é necessário educar os jogadores em relação às irregularidades.
O senador Romário (PL-RJ), relator da Comissão, solicitou o requerimento de Marchetti, que, em seu relatório, emitido em março pela Sportradar, destacou o Brasil como “campeão mundial de fraudes” no setor de apostas.
Segundo o gerente de Integridade da Sportradar, os manipuladores de resultados internacionais teriam encontrado oportunidades no mercado latino-americano, uma vez que o combate a fraudes na Europa teria ficado mais rigoroso.
“A grande maioria dos atletas no Brasil está em condição de vulnerabilidade econômica. Eles [os manipuladores] viram um cenário muito propício para a manipulação aqui”, afirmou Marchetti, acrescentando que o aumento de casos foi observado a partir de 2015. Além disso, ressaltou que os clubes pequenos e os atletas são os mais vulneráveis.
Segundo a Agência Senado, o representante da Sportradar disse que as casas de apostas também são prejudicadas com a manipulação de resultados, razão pela qual elas estão interessadas na solução das fraudes. No entanto, faltam meios de comunicação entre as empresas estrangeiras e as autoridades brasileiras, para que possam alertar sobre as irregularidades identificadas. Marchetti defendeu, então, a adesão do país à Convenção de Macolin, que combate a manipulação de resultados esportivos de modo internacional.
“Esse fluxo de informação entre todos os atores é fundamental para o combate ao sistema [de fraudes], para que não só as casas de apostas, mas também atletas, dirigentes e todos os interessados na proteção do esporte saibam a quem recorrer, como recorrer e de que forma essa informação vai ser trabalhada depois da denúncia”, alegou.
Em relação às denúncias de John Textor, sócio majoritário da Sociedade Anônima de Futebol (SAF) Botafogo de Futebol e Regatas, Marchetti afirmou que a Sportradar não identificou nenhuma irregularidade nas partidas mencionadas pelo empresário e acrescentou: “Inclusive, a movimentação do mercado de apostas vai contra as alegações”.
Apesar de não comentar a metodologia de outras empresas de rastreamento de fraudes, o gerente de Integridade defendeu a análise realizada pela Sportradar. Para Marchetti, é possível predizer o que irá acontecer ao realizar levantamentos e cruzar evidências do mercado de apostas com históricos de atletas.
Durante o depoimento de Marchetti, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) ressaltou a falta atenção da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) na detecção de fraudes, alegando ser um absurdo que “mesmo depois de aberta esta CPI, a CBF não tenha feito a contratação mais robusta de um relatório de uma empresa, ou duas, ou três, ou quantas fossem necessárias, para garantir a integridade das competições”.
O crime organizado também é uma preocupação para os senadores. Apesar de Marchetti desconhecer casos envolvendo o crime organizado em manipulação de resultados no Brasil, não se pode descartar a possibilidade.
Ainda ontem, a CPI ouviu o chefe de Integridade da Genius Sports para a América Latina, Tiago Horta Barbosa. O especialista também afirmou que o futebol brasileiro é um “alvo extremamente vulnerável” aos manipuladores: “O grande número de jogos disputados em diversos níveis esportivos cria um ambiente propício para manipulações. Cada jogo, principalmente aqueles de divisões inferiores, representa uma oportunidade em potencial para os que buscam corromper o esporte, e o Brasil é o país no qual mais partidas de futebol são disputadas no mundo inteiro”.
Para Barbosa, a tecnologia é fundamental para a identificação de fraudes: “Para se combater eficazmente a corrupção no esporte, é imperativo que permaneçamos vigilantes e responsivos às táticas em constante evolução empregadas por aqueles que pretendem minar a sua integridade”.
Apesar de grandes nomes do futebol brasileiro terem se envolvido na manipulação de resultados, Barbosa destacou que, na maioria das vezes, as fraudes acontecem em torneios de divisões inferiores. Para o especialista, a educação sobre a manipulação de resultados é essencial em todo o ambiente esportivo.
Disse, ainda, que não há problemas de empresas concorrentes atenderem as mesmas entidades e que não cabe a uma empresa dizer que a outra realizou uma análise equivocada. Para exemplificar, disse que tanto a Sportradar quanto a Genius Sports atendem a Federação Internacional de Associações de Futebol (FIFA) e o Campeonato Europeu de Futebol (UEFA).
“Nada impede que uma entidade esportiva atue com mais de uma empresa de monitoramento. Inclusive, essa é a recomendação da FIFA, até para se fortalecer eventualmente casos identificados de manipulação”, afirmou, acrescentando que, logicamente, é melhor ter dois ou mais relatórios indicando a mesma fraude do que apenas um.
Além disso, Barbosa ressaltou que a Europa tem de “dez a 14 anos de vantagem”, em relação ao Brasil, na questão de enfrentar os desafios de integridade esportiva.
“A questão de juntar os stakeholders, conseguir montar um sistema colaborativo com autoridades públicas, entidades esportivas, sindicatos de atletas, tudo isso, eu acho que eles já estão em um nível mais avançado do que a gente está hoje, mas [isso] não quer dizer que a gente não esteja caminhando nessa direção”, afirmou.