Guilherme Sadi, Espaço Jurídico: “os aspectos jurídicos relevantes do iGaming e do mercado publicitário”

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A Comissão de Esporte (CEsp) deve votar, em breve, a proibição de celebridades, de atletas, de comentaristas, de influenciadores, entre outras personalidades famosas, em publicidade de apostas esportivas. A pauta foi baseada nas ações do Reino Unido, que em 2022 impediu que pessoas públicas realizassem propaganda para a indústria.

Com exclusividade para o SBC Notícias Brasil, na coluna Espaço Jurídico, o advogado Guilherme Tadeu Sadi, sócio do Sadi/Morishita Advogados e da SM Gaming, analisa os aspectos principais das decisões que envolvem a publicidade de apostas no país.

Quando falamos de futebol, uma das combinações mais perfeitas que existe é a combinação meio-campista e atacante – Lionel Messi e Andrés Iniesta no Barcelona F.C., Rivaldo e Romário na Copa do Mundo de 2002, Neymar e Ganso no Santos F.C. Estes são alguns exemplos de duplas que, sozinhas iam bem, mas, juntas, promoviam um verdadeiro show em campo. O mesmo acontece quando falamos da dupla iGaming e Publicidade. 

Fato é, o mercado de iGaming alcançou patamares inimagináveis, muito por conta do cenário da publicidade. Patrocínios milionários, influenciadores, streamers e o mercado de afiliados são apenas alguns exemplos do complexo (e rentável) mercado publicitário que emergiu nos últimos anos dentro do cenário de iGaming. 

E, claro, uma dupla como esta, enfrenta desafios cada vez maiores, tendo o principal que se aproxima: o desafio da regulamentação brasileira. 

Sabemos que o Brasil é um país complexo para o mundo empresarial, incluindo o mercado publicitário. Temos uma agência reguladora (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR) ativo na fiscalização (e punição) de campanhas e materiais publicitários que ferem a legislação brasileira, bem como institutos normativos, além de uma legislação consumerista com perfil protecionista, mas, até a vinda da Medida Provisória (MP) nº 1.183/2023 (“MP das Apostas”), não havia uma legislação que falasse especificamente sobre a publicidade para o mercado de apostas esportivas (até aquele momento, não havíamos disposições que incluíssem os jogos online).

Com a entrada em vigor da MP das Apostas, ficou determinado que as ações de comunicação de publicidade e marketing envolvendo apostas esportivas observariam a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivando a autorregulação. 

Além disso, determinou-se que o agente operador de apostas esportivas deveria promover ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico (também conhecido como ludopatia), por meio da elaboração de códigos de conduta e da difusão de boas práticas, na forma estabelecida em regulamentação específica do Ministério da Fazenda.

A MP das Apostas, ainda, concedeu ao CONAR, a possibilidade de estabelecer restrições e diretrizes adicionais à regulamentação do Ministério da Fazenda e expedir recomendações específicas para as ações de comunicação, de publicidade e de marketing de apostas esportivas. 

Ficou vedado às empresas operadoras de apostas esportivas adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos desportivos realizados no País para emissão, difusão, transmissão, retransmissão, reprodução, distribuição, disponibilidade ou qualquer forma de exibição de seus sons e imagens, por qualquer meio ou processo e, ainda, vedou-se a realização de publicidade comercial de sítios eletrônicos e de pessoas jurídicas ou naturais que ofertem ou tenham por objeto a exploração de apostas esportivas sem que houvesse a outorga legal, ou seja, sem a licença de operação no Brasil.

Sabemos que a MP das Apostas Esportivas não foi vista com bons olhos para a unanimidade de empresas do setor. Muitos acreditavam que as medidas ali indicadas seriam severas demais e, até mesmo, inviabilizariam a atuação publicitária no Brasil. Isso porque, pelo histórico legislativo nacional, a tendência protecionista ao consumidor seria, de qualquer forma, uma realidade, bastando olharmos como outros institutos normativos impactaram a forma de se fazer publicidade para determinados grupos, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso e, até mesmo, o próprio Código de Defesa do Consumidor. 

Diante disso, o Ministério da Fazenda publicou, em 26/10/2023, a Portaria 1130/2023 trazendo algumas diretrizes sobre a publicidade e propaganda no setor (Capítulo V, Seção 2), dentre outros assuntos de relevância para exploração da atividade no Brasil.

Após discussões e negociações sobre o projeto no Congresso Nacional, foi publicada, em 29 de dezembro de 2023, a tão almejada Lei nº 14.790/2023 (“Lei das Bets”), que regulamenta as apostas esportivas e jogos online (incluído somente neste momento) no Brasil e, com ela, a Seção II que trata especificamente da publicidade e propaganda envolvendo o mercado de iGaming. 

O artigo 16 da Lei das Bets determinou que as ações de comunicação, de publicidade e de marketing deverão observar a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulação. 

Como novidade, o parágrafo único do mesmo artigo deixou claro quais seriam os requisitos mínimos para a regulamentação pelo Ministério da Fazenda:

  1. Os avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios que deverão ser veiculados pelos agentes operadores;
  1. Outras ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 (dezoito) anos, especialmente por meio da elaboração de código de conduta e da difusão de boas práticas; e
  1. A destinação da publicidade e da propaganda das apostas ao público adulto, de modo a não ter crianças e adolescentes como público-alvo.

A Lei das Bets, ainda, trouxe uma série de vedações em relação à veiculação de publicidade, sendo proibidas as que: 

  1. Tenha por objeto ou finalidade a divulgação de marca, de símbolo ou de denominação de pessoas jurídicas ou naturais, ou dos canais eletrônicos ou virtuais por elas utilizados, que não possuam a prévia autorização exigida pela Lei das Bets;
  1. Veiculem afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou os possíveis ganhos que os apostadores podem esperar;
  1. Apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social;
  1. Sugiram ou deem margem para que se entenda que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro;
  1. Contribuam, de algum modo, para ofender crenças culturais ou tradições do País, especialmente aquelas contrárias à aposta;
  1. Promovam o marketing em escolas e universidades ou promovam apostas esportivas dirigidas a menores de idade.

Além disso, a Lei das Bets determinou que as empresas divulgadoras de publicidade e propaganda, incluídos provedores de aplicação de internet (ex: Google, Instagram, Tiktok, Facebook, Youtube e outras plataformas), deverão proceder à exclusão das divulgações e das campanhas irregulares após notificação do Ministério da Fazenda.

A Seção II da Lei das Bets deixa claro que as regras relacionadas à publicidade das Bets não estarão restritas a operadores de iGaming e agências publicitárias, mas todos que, de alguma forma, mirem ou impactem, direta ou indiretamente, o consumidor brasileiro.

Como se não bastasse, ficou vedado aos agentes operadores, bem como às suas controladas e controladoras, adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos desportivos realizados no Brasil para emissão, difusão, transmissão, retransmissão, reprodução, distribuição, disponibilidade ou qualquer forma de exibição de seus sons e imagens, por qualquer meio ou processo.

Os players do mercado de iGaming já imaginavam que as instruções normativas do CONAR e portarias do Ministério da Fazenda seriam rígidas para determinar o permitido e, principalmente, as vedações envolvendo publicidade de iGaming. 

Foi então que o CONAR publicou o Anexo “X”, dispondo com mais detalhes sobre as regras para publicidade de apostas esportivas e jogos online. 

Seguindo a mesma linha do disposto na MP das Apostas Esportivas e da Lei das Bets, o Anexo “X” do CONAR estabeleceu que as publicidades de apostas devem ser estruturadas de maneira socialmente responsável, sem se afastar da finalidade essencial de demonstração e divulgação de marcas e características. 

Além disso, vedou-se por texto ou imagem, direta ou indiretamente, inclusive no slogan, os apelos de pressão para a prática do jogo, assim como os estímulos ao exagero, à repetição excessiva ou ao jogo irresponsável. Tais publicidades devem ter especial atenção à necessidade de serem protegidas crianças, adolescentes e outras pessoas em situação de vulnerabilidade.

Além de apresentar um capítulo para as cláusulas de advertência obrigatórias com mensagens de jogo responsável, a nova regulamentação está dividida nos seguintes princípios:

  1. Princípio da identificação publicitária
  2. Princípio da veracidade e informação
  3. Princípio da proteção a crianças e adolescentes
  4. Princípios de responsabilidade social e jogo responsável

O Anexo “X” não é um documento curto e com poucos artigos, mas, para exemplificar, trazemos abaixo as principais obrigações contidas naquele documento:

  1. As mensagens publicitárias devem ser exclusivamente destinadas ao público adulto, ou seja, crianças e adolescentes não podem ser participantes ou público-alvo;
  1. A publicidade divulgada por um terceiro (influenciador, afiliado, embaixador, parceiro ou congêneres) deve ser evidente e distinguível do conteúdo editorial associado. Dessa forma, deve ser imediatamente clara para o consumidor a sua característica comercial, ou seja, o conteúdo deve explicitar que se trata de publicidade;
  1. As publicidades em redes sociais somente devem usar páginas, blogs, canais, perfis ou influenciadores que tenham adultos como seu público-alvo;
  1. Os perfis em redes sociais e as páginas internet dos anunciantes de apostas devem, conforme os critérios aplicáveis da plataforma utilizada, apresentar ícone de verificação oficial de titularidade do serviço, ou devem indicar a titularidade pela descrição “perfil oficial”, a fim de que os usuários saibam que tais perfis e páginas são os canais de comunicação oficiais da marca;
  1. A publicidade deve conter a identificação da autorização concedida pelo Ministério da Fazenda como pré-requisito de divulgação em qualquer mídia;
  1. A publicidade deve incluir mensagem de alerta padronizada, de forma legível, evidente e destacada, como, por exemplo, “jogue com responsabilidade” ou “apostas são atividades com riscos de perdas financeiras”;
  1. As publicidades que contenham pessoas que apareçam praticando apostas, desempenhando papel significativo ou de destaque, deverão ser e parecer maiores de 21 anos de idade;
  1. A publicidade que contenha testemunho de personalidades famosas deve observar as mesmas condicionantes dispostas no item 2, letras “a”, “b”, “c” e “d” do Anexo “Q” – Testemunhais, Atestados e Endossos.

Além de obrigações específicas para o mercado de iGaming (frise-se, aqui estamos falando para o mercado de apostas esportivas e jogos online como um todo, ou seja, não são normas aplicáveis apenas às operadoras), o Anexo “X” traz vedações que podem ser consideradas grandes desafios para as campanhas publicitárias. São elas:

  1. Promessa de ganhos e resultados certos, fáceis e elevados;
  1. Afirmar ou sugerir ilusão de controle, levando o consumidor a acreditar que pode, de alguma maneira, controlar ou prever categoricamente os resultados;
  1. Sugerir que o uso repetido do produto aumentará as possibilidades de se ganhar algum prêmio;
  1. Induzir ao entendimento de que a participação poderá levar ao enriquecimento ou que constitui forma de investimento ou de renda; 
  1. Crianças ou adolescentes como participantes ou público-alvo, de modo que as publicidades de apostas não devem ser inseridas em nenhum canal, programa ou conteúdo de mídia direcionado ou voltado a menores de 18 anos;
  1. Reprodução de publicidade em materiais comerciais de divulgação, como roupas, equipamentos ou produtos destinados ao uso específico por crianças e adolescentes; 
  1. As publicidades não devem conter símbolos ou desenhos, entre outros elementos visuais, verbais ou escritos que sejam voltados ao universo infanto-juvenil;
  1. Sugerir ou oferecer crédito ou empréstimo aos consumidores, por exemplo, antecipar ao apostador recursos que, posteriormente, tenham que ser restituídos ao operador ou a terceiro, e que possam induzir à situação de endividamento perante o operador ou qualquer terceiro; 
  1. Apenas empresas licenciadas pelo Ministério da Fazenda podem anunciar apostas (ou seja, as empresas que não obtiverem a licença terão um sério desafio para serem percebidas pelos consumidores brasileiros).

Este poderia ser aquele momento em que as chaves de jogos para as eliminatórias já estão definidas, e nossa dupla dinâmica saberia quais os desafios necessários para alcançar mais uma vitória, mas temos mais um desafio prestes a ser definido: a portaria do Ministério da Fazenda sobre a publicidade e propaganda do mercado de iGaming. 

A previsão é que este desafio seja conhecido muito em breve e traga diretrizes que complementem as disposições já indicadas na Portaria 1330/2023, Lei das Bets e Anexo “X” do CONAR.