Na sexta-feira, 11, a Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou ação cível originária no Supremo Tribunal Federal (STF) para proibir a operação de empresas de apostas licenciadas pela Loteria do Estado do Rio de Janeiro (LOTERJ) fora do estado do Rio de Janeiro. A ação também solicita concessão de liminar para impedir a exploração da atividade no âmbito nacional de forma imediata.
Para a AGU, as regras de credenciamento da LOTERJ não restringem as atividades de empresas licenciadas ao estado do Rio de Janeiro. Além disso, a instituição federal afirmou que a autarquia não possui regras rigorosas em relação à prevenção de lavagem de dinheiro e de financiamento de ações terroristas.
A AGU informou que a LOTERJ possui um sistema que permite que os usuários declarem que estão apostando no âmbito estadual. No entanto, não há nenhum recurso de geolocalização para garantir que as apostas realmente estão sendo feitas no Rio de Janeiro. Se as apostas são originárias de outra região, esse sistema da LOTERJ não as bloqueia.
De acordo com a ação, a LOTERJ credencia empresas de apostas para que possam atuar em todo o território brasileiro, prejudicando diretamente o pacto federativo e a livre concorrência, além de ir contra as regras do Ministério da Fazenda e invadir a competência da União.
Como exemplo, a AGU citou, na ação, que a Loterias do Estado do Paraná (Lottopar) e a Loteria Estadual do Maranhão (Lotema) exigem a utilização de mecanismos de geolocalização, garantindo que a atuação das empresas licenciadas seja restrita ao respectivo estado da autarquia.
Na ação, a AGU solicitou concessão de liminar para suspender dispositivos do edital de credenciamento da LOTERJ que permitem a exploração de atividades de apostas on-line fora do Rio de Janeiro e a cessação imediata da exploração de atividades de apostas on-line além dos limites estaduais de empresas já credenciadas pela autarquia, exigindo, ainda, a utilização de ferramentas de geolocalização.
A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda emitiu nota técnica, anexada ao processo, afirmando que a atuação nacional de empresas credenciadas pela LOTERJ incentiva a concorrência predatória entre os entes federativos: “Com efeito, se esse parâmetro de territorialidade do Rio de Janeiro fosse considerado válido em todo o Brasil, os estados concorreriam para atrair para as suas jurisdições as operadoras de apostas em quota fixa e seriam induzidos a precarizar os seus padrões regulatórios e a deteriorar progressivamente a sua institucionalidade jurídica, impactando na segurança cibernética, no jogo responsável, na higidez financeira das operadoras e no combate à lavagem de dinheiro”.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) também emitiu nota técnica, anexada à ação, alertando que o critério de aferição de territorialidade, adotado pela LOTERJ, compromete significativamente o sistema de prevenção à lavagem de dinheiro.
Para o Coaf, a admissão do critério de aferição de territorialidade, previsto no edital de autorização da LOTERJ, pode ampliar para níveis mundiais os riscos de utilização de empresas de apostas para lavagem de dinheiro e para outras práticas ilícitas relacionadas.
TRF1 atende pedido da AGU em relação à LOTERJ
João Batista Moreira, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), atendeu ao pedido da AGU contra a decisão da 8ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF).
Para a AGU, a sentença da SJDF “invadiu atribuição da União para estabelecer regras nacionais sobre a exploração desse tipo de apostas”, além de fragilizar a proteção dos usuários “por afastar a aplicação da portaria do Ministério da Fazenda que estabeleceu regras e diretrizes para o jogo responsável, determinando que as operadoras de apostas de quota fixa sigam procedimentos para a prevenção aos transtornos de jogo patológico”.
E destacou: “A legislação do setor permite aos estados a exploração da atividade somente de forma limitada ao território estadual”.
LOTERJ contesta ação da AGU no STF
Ontem, 13, a LOTERJ protocolou pedido de impugnação preliminar contra ação da AGU no STF.
“A competência territorial da LOTERJ está amparada em precedentes deste próprio Ex. STF, que reconhecem a autonomia dos estados para explorar loterias e regulá-las nos seus âmbitos, o que é o caso”, afirmou a LOTERJ no documento.
“Além disso, o fato de a retificação do edital incluir uma declaração formal dos apostadores, que estão jogando no território do Rio de Janeiro, apenas mostra que a LOTERJ está tomando medidas para manter a territorialidade do seu certame, submetendo os apostadores à sua jurisdição direta, o que enfraquece o argumento descabido de violação à territorialidade”, destacou a autarquia.
“A LOTERJ, com a inclusão de uma declaração expressa no edital de que as apostas online serão consideradas realizadas no Estado do Rio de Janeiro, busca garantir o respeito ao limite territorial. Assim, a LOTERJ está cumprindo a legislação, já que o edital prevê o controle sobre a jurisdição estadual, ainda que por meio de um critério de declaração formal. E a opção pela declaração-anuência expressa é uma escolha regulatória que não está explicitamente vedada pela legislação da época do ato praticado e aperfeiçoado; e que, ademais, ainda foi preservada por regra superveniente de aplicação da lei no tempo, conforme o parágrafo 8º do art. 35-A”, defendeu a LOTERJ.
Em relação às práticas ilegais, alegadas pela AGU, a LOTERJ afirmou que possui um sistema robusto de prevenção à lavagem de dinheiro, em conformidade com as melhores práticas internacionais e com a legislação vigente.
As medidas de controle e de prevenção a práticas fraudulentas incluem verificação de identidade, monitoramento de transações, reporte de atividades suspeitas, limites de apostas, entre outras.
Para a LOTERJ, a conduta da AGU incentiva práticas ilícitas e a lista de empresas autorizadas viola diretamente os artigos 10 e 11 da Lei das Apostas, “que exigem autorização formal para operação, mas também cria um precedente perigoso de autorização tácita em um setor que demanda regulação rigorosa”.
A LOTERJ destacou, ainda, que muitas dessas empresas autorizadas a operarem no Brasil estão situadas em paraísos fiscais e que o Ministério da Fazenda não realizou a devida avaliação dos pedidos de credenciamento antes de incluí-las na lista.
Para a autarquia, a ausência de cobrança de outorgas e de impostos dessas empresas representa uma renúncia significativa de receitas para o Estado.
Por fim, a LOTERJ ressaltou que a demora de mais de cinco anos para a regulamentação do setor no país abriu espaço para o mercado paralelo.
Na petição, a autarquia afirmou que é a única fonte de renda do setor por meio do pagamento pelas empresas credenciadas, que são obrigadas a recolherem tributos federais aplicáveis, incluindo PIS, COFINS, CSLL e Imposto de Renda.
“Diante desse fato, questiona-se o real interesse da União na presente ação. Ao buscar suspender as operações reguladas pela LOTERJ, a União estaria, na prática: 1. Renunciando a receitas tributárias significativas já em curso. 2. Permitindo o funcionamento de sites listados em sua ‘lista positiva’ sem a devida autorização, à margem da regulamentação e sem o pagamento de impostos, até que seja concedida a primeira licença federal. 3. Criando um vácuo regulatório e fiscal que poderia perdurar por meses ou até anos, considerada a complexidade do processo de regulamentação federal”, destacou a LOTERJ.
A LOTERJ solicitou, então, indeferimento do pedido de tutela provisória de urgência formulado pela AGU e apresentou pedido subsidiário, “caso se entenda pela concessão da liminar”, para que as empresas já licenciadas tenham as operações preservadas e em funcionamento “sob as regras de geolocalização estabelecidas no Edital 01/2023 e sua retificação”.
“A pretensão da União, se acolhida, acarretará danos de grande monta não apenas à LOTERJ, mas também às empresas credenciadas e ao próprio erário estadual e federal. Os Termos de Credenciamento celebrados constituem atos jurídicos perfeitos, gerando direitos adquiridos às empresas operadoras”, destacou a LOTERJ no pedido de impugnação.
“A eventual invalidação desses atos jurídicos implicaria em indenizações multimilionárias, perda de arrecadação tributária significativa e desestruturação de todo um setor econômico regulamentado. Além disso, há de se considerar o impacto na segurança jurídica e na credibilidade do Estado brasileiro perante investidores nacionais e internacionais”, afirmou a autarquia no documento.
A LOTERJ pediu a retificação do valor da causa para R$ 500 milhões – a AGU tinha atribuído o valor de R$ 5 milhões -, de “modo a refletir adequadamente a real dimensão econômica da demanda e seus possíveis desdobramentos”.