Com exclusividade para a coluna Espaço Jurídico, a sócia da prática de Penal Empresarial e de White Collar Crimes Isadora Fingermann e a associada Maria Júlia Novaes Del Picchia, do TozziniFreire Advogados, analisam os requisitos estipulados pela Lei 14.790 e pela Portaria nº 1.143 no artigo ‘A regulamentação das apostas esportivas no Brasil: prevenção e controle de atividades suspeitas de lavagem de dinheiro’.
Com a recente promulgação da Lei nº 14.790/2023, o Brasil deu um passo significativo na regulamentação das apostas de quota fixa, popularmente conhecidas como apostas esportivas. Esta lei, que se tornou uma marco para o setor, foi complementada pela Portaria nº 1.143/2024 da Secretaria de Apostas Esportivas do Ministério da Fazenda (SPA) para estabelecer as políticas, procedimentos e controles internos específicos que devem ser adotados pelos agentes operadores de apostas visando a identificação e a prevenção de atividades suspeitas de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e de proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP), em conformidade com as exigências impostas pela Lei Federal nº 9.613/1998, a lei de prevenção à lavagem de dinheiro e pela Lei Federal nº 13.810/2019, que previne atividades terroristas.
De acordo com as novas regras, a partir de 1º de janeiro de 2025, os operadores de apostas deverão enviar relatórios anuais à SPA/MF, documentando as práticas de prevenção à lavagem adotadas no ano anterior. Esse relatório deverá incluir uma avaliação interna dos riscos associados aos produtos e serviços oferecidos, sendo que a responsabilidade pela definição da matriz de risco recairá sobre o operador. O controle realizado pela Secretaria vai além da prevenção à lavagem de dinheiro para incluir também, por determinação legal, a prevenção de delitos correlatos, geralmente fraudes e crimes contra o sistema financeiro nacional.
O descumprimento das regras pode resultar em sanções administrativas previstas pela própria lei federal de prevenção à lavagem de dinheiro, que vão desde advertências até multas pecuniárias, passando pela inabilitação temporária de administradores de pessoas jurídicas até a cassação da autorização para operação.
O ponto central da regulamentação é viabilizar um ecossistema que permita a detecção e o reporte de atividades suspeitas de lavagem de dinheiro ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Entre os principais indicadores de risco estão transações sem fundamento econômico ou dissociadas da capacidade econômico-financeira do apostador, prestação de informações falsas no momento do cadastro a plataforma, movimentações financeiras atípicas, e a utilização indevida de contas por terceiros. Se detectadas tais atividades, entre outras que podem ser consideradas suspeitas, o operador terá até o dia útil seguinte para encaminhar a comunicação ao COAF.
Além dessas medidas, a nova regulamentação exige que os operadores desenvolvam programas de compliance robustos, com foco na prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo, e implementem políticas internas abrangentes que envolvam funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados. A ênfase está na criação de um ambiente de conformidade que aborde não apenas as operações de apostas, mas também todas as atividades negociais e contratações de funcionários, bem como operações com ativos financeiros e imobiliários.
A regulamentação se insere em um contexto global de crescente vigilância sobre o setor de apostas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o National Money Laundering Risk Assessment (NMLRA) destacou o rápido crescimento do setor de apostas esportivas online e a falta de regulamentações específicas como fatores de risco significativos para a lavagem de dinheiro. De maneira semelhante, países europeus como Malta e Inglaterra já implementaram rigorosos requisitos de prevenção à lavagem de dinheiro para a concessão de licenças de operação, estabelecendo padrões elevados que o Brasil agora começa a seguir.
A nova regulamentação brasileira reflete, portanto, a necessidade, em um mundo globalizado, de padronização do procedimento de due diligence pelos agentes operadores de apostas que operam em diversos países, mitigando riscos de eventual responsabilidade administrativa pelo descumprimento dos parâmetros estabelecidos, assim como de responsabilidade criminal de indivíduos pela participação em atividades típicas de lavagem de dinheiro realizadas por terceiros, usuários de plataformas de apostas. Um ambiente virtual apto a prevenir e combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo só tem a contribuir para o crescimento orgânico e responsável da indústria.