As últimas semanas vêm sendo agitadas para a indústria de apostas e jogos on-line. No final de maio, o Senado aprovou restrições às publicidade de apostas esportivas – proposta que ainda passará pela Câmara dos Deputados nos próximos meses.
Já no último domingo, 8, veio outra bomba para o setor: o governo anunciou, após reunião com líderes da Câmara e do Senado, que pretende levar para frente a Medida Provisória (MP) que busca aumentar a alíquota de impostos de 12% para 18% sobre a renda bruta (GGR) de casas de apostas. A medida foi apresentada ao presidente Lula como alternativa ao aumento do IOF, e deve ser aprovada nos próximos dias.
Além disso, o aumento pode não parar por aí. Nesta segunda-feira, 10, o vice-presidente Geraldo Alckmin não descartou a possibilidade do imposto sobre GGR de apostas chegar até a casa dos 27%.
Durante a abertura da 5ª edição do Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento, Alckmin afirmou concordar com algumas das propostas sugeridas pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras): “Gostei da proposta de vocês. Não só 18% que a proposta do governo, mas os 27%. Isso vai evitar que muitas famílias aí sejam prejudicadas e o conjunto da sociedade prejudicado”, disse o vice-presidente.
Medida pode afetar de maneira desproporcional empresas nacionais
A Medida Provisória, caso aprovada, pode afetar de maneira desproporcional empresas nacionais que, sem o mesmo investimento de gigantes internacionais, podem ter ainda mais dificuldades para competir em um mercado já voraz.
Para entender melhor os efeitos que essa medida teria na prática, o SBC Notícias Brasil conversou com representantes de alguns dos principais operadores nacionais do setor.
Proposta pode levar carga fiscal total à 56,25%
Rafael Marchetti Marcondes, Chief Legal Officer do Rei do Pitaco, afirmou que a proposta de elevar o GGR de 12% para 18% parece “desconsiderar a realidade fiscal já pesada do setor de apostas reguladas no Brasil”.

“Atualmente, as operadoras já enfrentam uma das maiores cargas tributárias entre as diversas indústrias que operam no País, incluindo diversos tributos corporativos, uma taxa de fiscalização e o futuro Imposto Seletivo. Tal elevação poderia empurrar a carga fiscal total para um nível insustentável de 56,25%, o que beira o confisco”, continuou Marcondes.
Para o executivo do Rei do Pitaco, a insistência do governo em aumentar tributos desconsidera o limite e ponto de saturação do mercado de apostas: “Ao pressionar os operadores para além desse ponto, o governo arrisca a própria viabilidade do mercado regulado. Experiências internacionais, como na Alemanha e Suécia, demonstram que aumentos fiscais excessivos frequentemente levam à saída de empresas, à redução da concorrência e, paradoxalmente, à queda na arrecadação, fortalecendo o mercado ilegal”.
Por fim, Marcondes conclui afirmando que uma carga tributária “confiscatória” seria especialmente prejudicial para um setor onde a regulamentação ainda é recente: “Ela pode incentivar a migração de operadores para a clandestinidade ou o abandono do mercado, frustrando as expectativas de receita pública e minando os esforços de controle, fiscalização e promoção do jogo responsável que a nova regulação pretende estabelecer. O caminho para uma arrecadação robusta passa pela construção de um ambiente de negócios estável e competitivo, não pelo esgotamento fiscal de uma indústria promissora”.
Proposta transmite três mensagens negativas ao mercado
Márcio Falcão, CEO da Casa de Apostas apontou que a proposta transmite três mensagens extremamente negativas a todos que buscam operar no mercado de apostas esportivas e jogos on-line, que são:
1. “O Governo Brasileiro aprovou a segunda lei das Apostas de quota fixa e jogos online em dezembro de 2023. Desde então, o Ministério da Fazenda regulamentou e autorizou a operação legal de 79 empresas e quase 180 sites, arrecadando R$ 2,3 bilhões apenas com as outorgas. Agora, no entanto, o mesmo governo dá sinais de estar marginalizando uma atividade recém-legalizada, ao propor aumento de carga tributária em 50%, impor restrições à publicidade e ameaçar canais de comunicação, entre outras medidas restritivas”.
2. “Desconhecimento da dimensão do mercado ilegal. Hoje, estima-se que plataformas não reguladas, em grande parte os sites chineses, representem cerca de 60% de todo o mercado de apostas no Brasil. Caso o país estivesse efetivamente combatendo essas operações ilegais, a arrecadação poderia ser até 150% maior, podendo chegar a R$ 7 bilhões. Em termos simples, o governo poderia obter uma receita adicional superior ao dobro do que pretende alcançar com o aumento da alíquota, isto sem penalizar as empresas que operam dentro da legalidade”.
3. “O Brasil, que busca melhorar sua classificação junto às agências internacionais de risco, continua emitindo sinais de insegurança jurídica. Apenas 150 dias após o início da operação regulada, o governo já propõe mudar as regras do jogo. Regulamentou o basquete, mas agora está jogando futebol — e se a bola tocar na mão, é pênalti. Metáforas à parte, como o governo pretende atrair investimento estrangeiro, tendo recém retornado de missão oficial à China (maio) e atualmente em visita à França (junho), se não consegue garantir previsibilidade e estabilidade regulatória?”
“O Governo, por razões desconhecidas, tem se mantido completamente distante do setor. As empresas que operam legalmente não estão sendo ouvidas. É fundamental que haja diálogo entre o setor público e a iniciativa privada principalmente em uma atividade nova para o governo e para o país. Comunicação é essencial. Em vez de confronto, o caminho mais eficaz é a cooperação. Coalizão é sempre melhor do que colisão”, concluiu Falcão sobre o assunto.
Alvo do governo deveria ser o mercado clandestino

Por fim, Marcos Sabiá, CEO da Galera Bet apontou que a ação do governo ataca os aliados – o mercado legal: “Se o intuito é aumentar a arrecadação, a medida mais eficiente e adequada seria combater implacável e incansavelmente o mercado clandestino de apostas.”
“Isso, por si só, teria o potencial de dobrar a arrecadação desse setor, além dos demais efeitos positivos ao extirpar o mercado ilegal que, além da sonegação, é responsável por uma série de ilícitos em desfavor da sociedade”, concluiu Sabiá.