Espaço Jurídico, TozziniFreire: regulamentação e desafios tributários do mercado de apostas

Espaço Jurídico

Com exclusividade para a coluna Espaço Jurídico, Erlan Valverde, sócio do TozziniFreire Advogados, comentou a regulamentação das apostas no Brasil e os desafios tributários para o sucesso do setor no artigo ‘A regulamentação do mercado de sports betting e os desafios tributários para seu sucesso’.  

A regulamentação das apostas de quotas fixas no Brasil sempre foi acompanhada de um mantra de política fiscal: a expectativa de que a regulamentação seria acompanhada por um aumento substancial na arrecadação, em razão da internalização de uma atividade que hoje é exercida fora do Brasil. 

A despeito da justa motivação de ordem fiscal, fato é que a sanha arrecadatória governamental neste mercado, até o momento, tem o potencial de causar efeito totalmente contrário, encarecendo em demasia um mercado promissor para empresas estrangeiras que queiram se estabelecer no Brasil.  

A complexidade tributária brasileira não é novidade para as empresas aqui estabelecidas, sendo noticiada aos quatro ventos, independentemente do setor em que se opera. Para o mercado de apostas esportivas, no entanto, verifica-se que o conjunto das novas regras do setor, e outras regras antigas aplicáveis a todas as pessoas jurídicas, podem acabar sufocando a lucratividade desse setor. 

De maneira geral, tal qual na fábula de Esopo, o Brasil corre o risco de matar a galinha dos ovos de ouro, antes mesmo dela nascer.

Sobre as regras específicas do setor, é verdade que houve um significativo avanço com a edição da Lei 14.790/23, que autorizou os operadores a se apropriar de 88% do Gross Gaming Revenue (GGR), sendo os 12% restantes descontados para destinações diversas (educação, seguridade social, esporte, turismo e segurança pública).

Havia, de uma maneira geral, uma preocupação justa de tributação sobre os valores efetivamente recebidos de apostadores, em um regime de tributação sobre ingressos similar às contribuições ao PIS e à COFINS. Ademais, a destinação de 12% foi outro avanço pois alinhada com a de outros países com regulamentações semelhantes, e que acabou ficando abaixo dos 18% inicialmente propostos. 

Vale lembrar que, além das destinações específicas do setor pela sistemática do do GGR, as empresas que aqui se estabelecerem também estarão sujeitas ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), PIS, COFINS e o Imposto sobre Serviços (“ISS”). 

A despeito da alta carga tributária, a grande questão é que, posteriormente, adveio a Emenda Constitucional 123/2023, e a sua posterior regulamentação, trazendo mudanças significativas (ainda não aprovadas) para este setor. 

Vale destacar, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 cria um regime nacional de tributação de apostas esportivas para fins dos recém-criados Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”) e Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”), em regime similar ao de GGR, com alíquotas correspondendo à soma das alíquotas de referência das unidades federativas. Considerando que a alíquota combinada de CBS e IBS poderá chegar a até 26,5%, trata-se de um aumento considerável contra os atuais 9,25% da alíquota combinada do PIS e da COFINS. 

Some-se a isso a injustificável cruzada realizada sobre o setor nos últimos meses, com a possível cogitação de incluir os referidos serviços também na lista do imposto seletivo (o chamado “imposto do pecado”). 

Toda esta sanha arrecadatória não leva em consideração um outro fator importante de natureza operacional, que afeta consideravelmente a lucratividade das empresas do setor que passarão a atuar no Brasil. 

Apesar da grande movimentação financeira das empresas de sports betting, é importante destacar que tais companhias funcionam como agregadoras de diversas soluções tecnológicas, especialmente softwares e plataformas digitais de prestação de serviços, fornecidas por empresas terceiras eminentemente localizadas no exterior. 

É aqui que as “velhas” regras fiscais impactam ainda mais a margem de lucro destes negócios de potencial arrecadador. 

Ocorre que o Brasil é um país importador de capital, que historicamente tributa em excesso a prestação de serviços por não residentes, em uma combinação de Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRFonte”), ISS, PIS, COFINS, CIDE e IOF, que pode chegar a até 40% do valor remetido quando combinados. 

Adicione-se aqui alguns fatores de complexidade, como o fato de que algumas dessas entidades prestadoras de serviço estão localizadas em países considerados como paraíso fiscal pelo Brasil, o que automaticamente incrementa o IRFonte para 25% (contra os 15% da regra geral). 

Por questões comerciais, muitos destes prestadores exigem que os valores recebidos sejam líquidos deste imposto, o que faz com que as empresas brasileiras sejam obrigadas a assumir o ônus do IRFonte. O mesmo também pode ocorrer com o ISS em tratativas comerciais.

Outros tributos, PIS e COFINS também acabam gerando um efeito de incremento de custo no Brasil, já que há incerteza a respeito da possibilidade de creditamento dos valores pagos contra o PIS e COFINS devidos no Brasil. 

Por essas e outras razões, há uma preocupação, cada vez maior, das empresas que aqui estão se estabelecendo em pensar no planejamento de forma que estes impactos sejam minimizados. 

Todavia, a forma como o processo de regulamentação tributária vem sendo conduzido, e a natural agressividade da Receita Federal do Brasil em potenciais fiscalizações e discussões envolvendo o tema, podem tornar esse mercado totalmente impraticável no curto prazo por questões meramente fiscais. 

Antes de se pensar em todo ouro dentro da galinha, é importante que o Governo entenda melhor como funciona o setor, de maneira que a atividade seja fomentada e que a arrecadação seja garantida sem que o setor seja estrangulado.