Nesta quarta-feira, 9, o Senado Federal recebeu a audiência pública da Comissão de Esporte (CEsp) sobre publicidade de apostas e jogos on-line. Comandada por Leila Barros (PDT-DF), a audiência trouxe especialistas do setor, como Alex Fonseca, CEO da Superbet Brasil, que afirmou que o grande desafio do mercado é o mercado ilegal, e que é nele que “menores de idade e viciados encontram refúgio”.
Durante a audiência, um dos principais temas discutidos, além do mercado paralelo ao regulamentado, foi também o consumo de publicidade e propaganda em massa, que podem atingir também menores de idade e pessoas vulneráveis.
Ludopatia: vício em apostas em menores de idade
Christina Hajaj Gonzalez, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), afirmou que cerca de 11 milhões de brasileiros com mais de 14 anos apostam de maneira problemática – e um em cada oito tem sintomas de ludopatia. Segundo ela, 4% dos apostadores têm entre 14 e 17 anos.
Além da preocupação com o vício em si, há também uma preocupação recorrente com o sistema de saúde. Gonzalesz observou que “hoje, nenhum sistema de saúde no país está preparado para atender essa demanda crescente de ludopatas”.
Segundo uma nova pesquisa do Ministério de Justiça e Segurança Pública (MJSP), adolescentes de 14 a 17 anos estão fazendo apostas on-line por meio de sites ilegais.
A amostra abrange 16 mil pessoas com mais de 14 anos, divididas entre adolescentes (14 a 17 anos) e adultas (com mais de 18 anos). Conforme mostra o relatório, o grupo de risco é o de adolescentes, já que 55,2% de apostadores da faixa etária estão na zona de risco.
A Lei nº 14.790/2023 e a Portaria nº 1231/2024 da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF) proíbem que sites de apostas permitam o cadastro de menores de 18 anos em sites de apostas on-line. Sites licenciados exigem no processo de cadastro o número do CPF e o reconhecimento facial, garantindo que os jogos sejam usados exclusivamente por adultos.
A coordenadora-geral de Monitoramento do Jogo do Responsável, Daniela Correa Cardoso, da SPA, reconheceu que a velocidade do ambiente digital dificulta o controle efetivo das campanhas. Segundo ela, há mecanismos para remover conteúdos irregulares, mas o processo é reativo e demanda tempo.
Apesar disso, Daniele defendeu os avanços na regulação e citou como positivos o uso de reconhecimento facial para coibir o acesso de menores e a proibição de associar apostas a promessas de lucro fácil.
O defensor público Thiago Henrique Cunha Basílio teceu críticas ao discurso de “jogo responsável”, que é visto nas campanhas publicitárias. Para ele, a frase se tornou um álibi para transferir ao consumidor o peso da decisão: “É perigoso responsabilizar o indivíduo por um risco que é coletivo e que atinge com força as classes mais vulneráveis”, alertou.
Publicidade e influenciadores digitais
O papel de influenciadores digitais e celebridades na popularização das apostas foi outro ponto sensível do debate. O senador Styvenson Valentim (PSDB-RN), autor do PL 2.985/2023, defendeu que a presença desses personagens nas campanhas intensifica o apelo ao público mais jovem.
“É o marketing do desejo: se o jogador famoso usa, o fã quer usar também. O problema é o impacto disso em quem não tem estrutura para lidar com o vício.”
A proposta original previa proibição total da publicidade. O texto foi ajustado para permitir peças publicitárias sob regras rígidas, mas manteve a vedação ao uso de influenciadores e celebridades — inclusive jogadores. A mesma proibição está no PL 3.405/2023, relatado pelo senador Sérgio Petecão (PSD-AC), em tramitação paralela.
Casas de apostas e publicidade são intrínsecas ao dinheiro do futebol
Ainda durante a audiência, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, alertou para o impacto econômico que uma proibição ampla poderia causar. Segundo ele, emissoras de televisão e clubes de futebol dependem fortemente da receita publicitária gerada pelas apostas.
“Sem essa verba, muitas emissoras quebram. A única que sobrevive é a Globo. E os clubes de futebol ficam sem patrocinador”, advertiu.
Em entrevista ao SBC Notícias Brasil, Fernando Paz, então diretor-comercial da Absolut Sports, ”se você for dar um passo para trás, vai ser muito difícil voltar a ter esses valores investidos por outras marcas. O mercado não chega aos valores que estão sendo praticados pelas casas de apostas. Então, seria bem-complicado para os clubes, que não estão preparados para isso [proibição]”.
”Tem clube que teve um salto de patrocínio máster de R$ 5 milhões para R$ 25 milhões. Ficaria muito complicado para todo o ecossistema do futebol. Muitos jogadores que estão recebendo salário de nível europeu não conseguiriam ter os seus contratos honrados pelos clubes”, analisou.
Paz citou o exemplo da Inglaterra, em que a proibição de patrocínios de casas de apostas entra em vigor na temporada 2026/2027. Os clubes já estão se preparando para isso, fazendo acordos até o período para conseguir receber esse investimento.
”Hoje, tendo em conta os altos valores praticados no Brasil, se cortarem os patrocínios em três meses (no momento da reportagem, era a o período que faltava para o início do mercado operacional regulado no país), a economia do esporte será muito afetada”, ele finalizou.