Udo Seckelmann, advogado: “a publicidade responsável é um dos pilares da estratégia de canalização para o mercado licenciado”

Homem vestido de tigre para abordar publicidade de apostas
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Diante das recentes movimentações no mercado brasileiro de apostas on-line, o SBC Notícias Brasil entrevistou Udo Seckelmann, head de Gambling & Crypto do escritório Bichara e Motta Advogados, para discutir a relevância da publicidade no setor.

Na conversa, Seckelmann analisou os impactos das restrições publicitárias sobre a indústria, traçou paralelos com mercados mais maduros, comentou a atuação da CPI das Bets e abordou outros temas cruciais para o futuro do mercado de apostas no Brasil.

SBC Notícias Brasil: O senador Carlos Portinho menciona no Parecer nº 25588.88423/78 que o Reino Unido já restringe a publicidade de apostas em horas e em momentos específicos. Na sua perspectiva, existe alguma diferença na implementação dessa medida em um mercado já maduro e consolidado – como o do Reino Unido – em comparação a um mercado ainda em desenvolvimento – como o do Brasil?

Udo Seckelmann, head de Gambling & Crypto do Bichara e Motta Advogados

Udo Seckelmann: Sim, há diferenças substanciais que tornam a comparação inadequada. Primeiramente, é fundamental destacar que, conforme diversos estudos e relatórios britânicos – incluindo a análise da GambleAware e o relatório do Parlamento Britânico – “House of Lords” -, não há evidências conclusivas de que as restrições à publicidade de apostas implantadas no Reino Unido tenham, de fato, reduzido a ludopatia ou o jogo problemático. O relatório da GambleAware, por exemplo, aponta que os efeitos da publicidade sobre o comportamento de jogadores vulneráveis são complexos e pouco mensuráveis, sendo influenciados por múltiplas variáveis – incluindo fatores sociais, econômicos e psicológicos.

O Reino Unido, por possuir um mercado maduro, estruturado há décadas e com um ambiente institucional consolidado (UK Gambling Commission, ASA, GambleAware), pôde implementar ajustes progressivos com base em dados coletados ao longo de anos. As restrições que lá existem fazem parte de um contexto de regulação responsiva e calibrada, com foco no conteúdo e no direcionamento da publicidade, e não em proibições generalizadas ou punitivismo desproporcional.

No Brasil, por outro lado, o mercado ainda está em formação. A Lei nº 14.790/2023 foi recentemente sancionada, e as primeiras licenças foram emitidas há poucos meses. Aplicar aqui medidas restritivas sem a devida consolidação institucional e sem embasamento empírico pode inviabilizar o funcionamento do modelo regulatório. Além disso, pode comprometer a canalização da demanda para o ambiente legal – um dos pilares da regulação de jogos on-line.

SBC Notícias Brasil: Qual o impacto de restringir significativamente a publicidade de apostas em um mercado ainda em expansão? Existe um meio termo para garantir a proteção de grupos vulneráveis ao mesmo tempo que mantém o crescimento saudável do setor?

Udo Seckelmann: O impacto é severo e pode gerar consequências exatamente opostas àquelas desejadas pelos formuladores da política pública. Restringir publicidade em demasia em um mercado nascente representa um obstáculo direto à migração do consumidor para plataformas reguladas. 

Como reforçado pela Advertising Standards Authority (ASA), no Reino Unido, a publicidade, quando bem regulamentada, desempenha um papel educativo, alertando o público sobre práticas responsáveis, riscos associados e mecanismos de proteção. Ou seja, a restrição generalizada, além de ineficaz, pode ser contraproducente, pois priva o consumidor de informações essenciais.

O exemplo mais ilustrativo disso é o caso da Itália, que desde 2019 proíbe a publicidade de apostas por meio do chamado “Decreto Dignità”. Apesar da intenção de combater a ludopatia, a medida não só não reduziu os casos de jogo problemático, como também provocou um aumento no mercado ilegal e uma queda na arrecadação fiscal. Em declaração recente, o Ministro do Esporte e da Juventude italiano, Andrea Abodi, reconheceu que o decreto “não resolveu o problema da ludopatia e ainda piorou o quadro ao empurrar os apostadores para a clandestinidade” (Calcio e Finanza, 2025).

Esse cenário serve de alerta ao Brasil. A publicidade responsável, com regras claras, é um dos pilares da estratégia de canalização para o mercado licenciado. Retirá-la de cena é entregar o espaço à informalidade e desestruturar o modelo regulatório recém-implantado.

SBC Notícias Brasil: Você concorda com alguma das medidas restritivas aprovadas pela Comissão do Esporte e pelo Senado Federal?

Udo Seckelmann: Sim, desde que calibradas com razoabilidade e fundamentadas em estudos e dados estatísticos. A possibilidade de o usuário desabilitar a exibição de publicidade (função opt-out) é uma medida de proteção eficaz que tem sido recomendada em diversos países. Na experiência britânica, essa opção integra o modelo de autorregulação promovido pela ASA e pela indústria, como forma de respeitar a liberdade de escolha do consumidor, sem impedir o funcionamento do setor.

Por outro lado, medidas como a proibição da exibição de odds dinâmicas em eventos ao vivo carecem de justificativa técnica. As odds fazem parte da lógica do produto e sua exibição é um elemento informacional, não um estímulo abusivo. O próprio relatório do Parlamento Britânico – House of Lords sobre publicidade e danos associados ao jogo recomenda foco em conteúdo e contexto da comunicação, não na estrutura da atividade em si. Assim, o risco de overregulation se apresenta concreto, podendo gerar insegurança jurídica e desestimular investimentos no setor.

SBC Notícias Brasil: Qual a sua opinião sobre a proibição de influenciadores, atletas e dirigentes na divulgação das apostas no Brasil? Qual será o possível impacto no mercado nacional?

Udo Seckelmann: Trata-se de uma proposta altamente questionável do ponto de vista jurídico e econômico. A comunicação publicitária deve ser regulada com base no conteúdo e no público-alvo da mensagem, e não pela profissão do emissor. A publicidade feita por influenciadores pode – e deve – estar sujeita a regras claras, como foi feito no Reino Unido, onde a ASA publicou diretrizes específicas para influenciadores no setor de apostas, exigindo transparência, proibição de linguagem enganosa e foco na responsabilidade social. Contudo, a proibição absoluta de categorias inteiras de pessoas, como atletas ou celebridades, representa uma forma de censura prévia e restrição desproporcional à liberdade de expressão comercial.

Se aprovada, essa medida causará grave impacto no ecossistema do marketing brasileiro, afetando contratos vigentes, desvalorizando clubes e eventos esportivos e, paradoxalmente, deixando espaço para que operadores ilegais se comuniquem por vias não regulamentadas, inclusive por influenciadores que operam fora do alcance da legislação brasileira.

SBC Notícias Brasil: Como você avalia a atuação da CPI das Bets neste momento – especialmente diante de declarações de influenciadores, que afirmam divulgar apostas por serem atividades legalizadas e regulamentadas?

Udo Seckelmann: A atuação da CPI das Bets deve ser focada na repressão de condutas ilícitas, como operações ilegais e lavagem de dinheiro, e não na criminalização de uma atividade que é expressamente legal e regulamentada. Muitos influenciadores que promovem apostas atuam dentro das exigências da Lei nº 14.790/2023, das portarias da SPA/MF e do Código do CONAR, e suas declarações refletem a realidade do setor regulado. A confusão entre operadores legais e ilegais compromete a clareza do debate público e mina a credibilidade da regulação recém-implementada.

O Parlamento britânico, por exemplo, tem mantido uma distinção clara entre regulação de conduta publicitária e repressão penal a práticas criminosas. O relatório do parlamento reforça que o foco do legislador deve estar em evidências de dano concreto e não em generalizações baseadas em moralismos ou exceções mal fundamentadas.

SBC Notícias Brasil: Explicar que a indústria de apostas é um tipo de entretenimento e não de investimento nem sempre é tão fácil quanto parece, especialmente para pessoas que ainda não entendem a indústria. Mas como devemos abordar essa questão quando o público-alvo são os “traders esportivos” ou “investidores esportivos”, que afirmam receber o salário mensalmente por meio de apostas esportivas?

Udo Seckelmann: A distinção entre apostas esportivas como forma de entretenimento e a visão das apostas como uma fonte recorrente de renda é um tema que exige uma abordagem clara e responsável, especialmente quando o público-alvo inclui pessoas que se identificam como traders esportivos ou investidores esportivos. Embora seja legítimo que cada indivíduo tenha liberdade para decidir como utiliza seu tempo e seus recursos, é importante destacar que a atividade de apostas não deve ser promovida ou divulgada como um meio estável de sustento ou emprego.

A indústria de apostas é regulamentada como um setor de lazer e entretenimento – e não como uma atividade profissional com expectativa de retorno garantido. Como toda atividade que envolve risco financeiro, o resultado é incerto e imprevisível, e o mais comum, estatisticamente, é a perda. Por isso, comunicar as apostas como se fossem uma “profissão” ou um caminho seguro para geração de renda mensal pode induzir o público a erro, criar falsas expectativas e contribuir para práticas de jogo excessivo ou problemático.

No trato com esse público, é fundamental adotar uma abordagem educativa e transparente. É possível respeitar a liberdade individual sem deixar de esclarecer que o jogo deve ser praticado com responsabilidade, moderação e consciência dos riscos envolvidos. O papel da comunicação – seja ela publicitária, jornalística ou institucional – deve ser o de reforçar que apostar é uma forma de entretenimento, e não uma atividade que deva ser vendida como fonte de renda ou ocupação profissional.

Esse equilíbrio é essencial para garantir um ambiente saudável, tanto para o consumidor quanto para a sustentabilidade do mercado regulado. A credibilidade do setor depende, em grande parte, dessa distinção clara entre lazer e promessa de rendimento.

SBC Notícias Brasil: Para fechar com chave de ouro, qual a importância da publicidade para o setor de apostas on-line, especialmente no Brasil?

Udo Seckelmann: A publicidade é a espinha dorsal de qualquer setor regulado que depende da comunicação com o consumidor. No contexto em que a atividade é on-line, ela é ainda mais crucial: educa o público, promove práticas seguras, canaliza a demanda ao mercado formal e gera receitas para o Estado e para o esporte. Como enfatizado nos estudos da GambleAware e do Parlamento britânico – House of Lords, a publicidade, por si só, não é a causa de vício em jogos – o problema reside no conteúdo e na segmentação inadequada. Um modelo regulatório equilibrado e baseado em evidências permite proteger os vulneráveis e, ao mesmo tempo, garantir previsibilidade ao setor.

A restrição total ou excessiva da publicidade resultaria em um paradoxo: o Estado cria um mercado regulado e, em seguida, impede que ele se torne viável e visível. O resultado provável será o fortalecimento de operadores ilegais e o esvaziamento da política pública de regulação.